Os raios de sol iluminavam o rosto de César, o acordando. Acima de sua cabeça, pareciam formar uma auréola, mas que nada tinha a ver com os seus planos para aquele dia. Arrumou-se com roupas pretas, comeu um pedaço de pão e saiu, enquanto todos estavam ocupados com outros assuntos. Ninguém que o visse na rua poderia adivinhar o seu destino ou a atitude pecaminosa que ele tomaria em seguida.
Entrou no covil de Micheletto, fechou a porta atrás de si e dirigiu-se até uma mesa, onde Giovanni Sforza se encontrava acorrentado. O assistente deixou todas as ferramentas que julgava importantes ao lado, e saiu de perto para que seu mestre iniciasse o trabalho.
— Eu não sabia que estava escrito que sangue se paga com sangue na Bíblia, cardinal. — Giovanni disse, com desprezo.
— Se paga, quando se trata da minha irmã. — César respondeu, sério e objetivo.
Estar na presença daquele verme, que alguns chamavam de homem, incomodava a sua alma no mais profundo grau. Olhar seu rosto e imaginar todas as barbaridades que tinha feito com sua irmã quase o deixava fora de controle. E, mesmo estando à beira da morte e tendo sido torturado pelo seu comparsa por semanas, aquele homem não demonstrava sequer um sinal de arrependimento.
— Tudo o que eu fiz, eu faria novamente. Foi ótimo vê-la se humilhando e implorando por piedade.
Ouvir tal coisa foi suficiente para que César perdesse as estribeiras, avançando sobre o seu inimigo e distribuindo socos violentos em seu rosto. Suas mãos se sujavam de sangue, mas o homem à sua frente apenas ria. Sentindo seu próprio sangue ferver e cegando-se pela raiva, largou o rosto ensanguentado do homem e pegou uma faca ao seu lado.
— Péssima decisão, senhor Bórgia. A esse instante, minha prima já deve estar à sua procura.
— Veja se eu me importo.
Com um golpe carregado, César cravou o instrumento no peito de seu inimigo, fazendo sangue voar para todos os lados, incluindo o seu rosto. Como em uma cirurgia brutal, entre gritos ensurdecedores, tremores e rangidos, abriu ainda mais o corte, como quem rasga um tecido com desgosto. Em seguida, pegou um machado e eliminou as costelas que bloqueavam o seu caminho, mergulhou sua mão e arrancou o órgão desejado do homem à sua frente, já morto. O coração teve, como destino, uma caixa banhada a ouro e adornada com cristais.
— Que fim quer dar ao corpo, senhor? — perguntou Micheletto, que observou a cena apreensivo, nunca tendo visto o seu mestre agir com tanta violência.
— Eu queria poder expor o corpo desse cretino em praça pública, mas acredito que você pode dar um melhor fim à ele.
Em casa, Lucrécia adornava seus cabelos com tranças. Depois de semanas desde que tinha chegado, sentia-se bem o suficiente para olhar-se no espelho e gostar do que via. O tom corado tinha voltado à sua face, assim como sua vontade de usar vestidos elegantes e joias. De longe, seu irmão a observava, com sua pequena promessa em mãos. Ver que ela estava se animando novamente era a mais recompensadora visão pelo seu trabalho.
— Não fique aí parado, César. Venha aqui. — a irmã disse, se virando em sua direção. — O quê tem dentro dessa caixa?
— Eu te fiz uma promessa, no dia seguinte do seu casamento. Agora estou a cumprindo. — ele respondeu, enquanto entregava a caixa adornada em suas mãos.
Lucrécia a olhou com curiosidade, já sabendo o que encontraria dentro. Era certamente uma caixa vinda da Arábia, ela imaginava. Ao abri-la, encontrou o coração do seu agora ex-marido. Uma satisfação sádica percorreu a sua espinha, arrepiando cada um de seus pelos e fazendo com que um sorriso maléfico se formasse em seu rosto. O que veio em seguida, contudo, foi um sentimento de pena. Por que, mesmo depois de tudo que havia se passado, ela ainda conseguia ter pena de seu próprio carrasco?
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Tragédia romana
Ficción históricaLucrécia e César Bórgia são o clássico casal de mitos greco-romanos, que têm um amor proibido que causa inveja até aos Deuses. César quer proteger a sua jovem irmã do mundo inteiro, e sente que nunca conseguiria se afastar dela. Lucrécia se sente se...