O longo caminho até a casa de seus pais tinha deixado ambos os irmãos terrivelmente desgastados. Lucrécia tinha que se concentrar para não dormir enquanto segurava na cintura de César, e ele tentava fazer com que seus olhos pesados não atrapalhassem a sua visão do caminho. As poucas horas de sono e os locais improvisados eram desconfortáveis. Os dois, no entanto, davam seu jeito. Conseguiam passar muito bem por aquelas noites, encontrando o mínimo aconchego nos seus corpos.
Chegar na casa de seus pais era como encontrar um oásis no meio do deserto. Assim que o mais velho pisou na calçada de sua casa, sentiu todo o cansaço dos últimos dias descer como uma tempestade sobre seus ombros.
— Acho que nunca me senti tão exausta na minha vida. — Lucrécia disse, assim que seu irmão a ajudou a descer do cavalo, com as mãos em sua cintura.
— Então eu devo te levar diretamente para o seu quarto. — ele respondeu, agora segurando a garota em seus braços.
Ela riu com a rápida mudança de posição, enlaçou seus braços ao redor do pescoço de seu amado e permaneceu o acariciando, durante todo o caminho até seus aposentos. Chegando lá, foi deitada com extrema delicadeza, coisa que não tinha acontecido sequer uma vez desde seu casamento. Seu irmão sentou-se ao seu lado e acariciou seu cabelo até que adormecesse, com um singelo sorriso no rosto. Deixou, ainda, um beijo em sua testa, e seguiu para seus aposentos.
As horas seguintes, para Lucrécia, ainda não eram as boas-vindas que ela desejava. Perguntas e mais perguntas vinham da parte de sua mãe e de seu pai, que ela não desejava responder, mas que era obrigada. A sua chegada não prevista e a fuga diurna de César eram motivo para que todos os interrogassem, tentando entender o que acontecia. Vocalizar todo aquele sofrimento em voz alta era como revivê-lo, mas ninguém parecia entender aquilo. Ela vinha se sentindo melhor, nos últimos dias, enquanto era apenas ela e seu irmão, com ele a tratando normalmente e sem trazer o assunto à tona. Agora, todos os outros a olhavam com dó, e a tratavam como uma pobre coitada. Para completar, seu irmão João deixou escapar dois ou três comentários misóginos, que rapidamente foram repreendidos por sua família, mas que pareciam abrir feridas quase cicatrizadas. César, nessas horas, apertava sua taça de vinho para descontar a vontade que ele tinha de forçar suas mãos contra o pescoço de João.
Ele percebia como a angústia havia voltado à face de sua irmã, e sentia seu coração ser rasgado sempre que ouvia mais algum detalhe sórdido do que Giovanni havia feito com ela. Este, naquele momento, se encontrava ainda nas mãos de Micheletto, que fazia com que seus últimos dias fossem regados por sangue e sofrimento. A cena em que ele finalmente daria fim ao torturador de sua irmã passava constantemente na sua cabeça, a cada vez mudando alguma coisa, tentando torná-la o mais dolorosa possível. Era o mínimo que merecia, depois de tudo que tinha feito, ser torturado e morrer todos os dias, eternamente. Como tal coisa só poderia ser feita uma vez, César queria ter certeza que a faria da forma mais sofrida possível.
Após o jantar, Lucrécia se ausentou da forma mais rápida possível. As imagens de tortura, que tinham sido brevemente esquecidas, voltavam claras em sua memória. Ela abraçava seus joelhos, e tinha medo de cada um dos cantos escuros do seu quarto. Olhava novamente para seus hematomas, e se lembrava exatamente de como tinha conseguido cada um deles. Sentia-se miserável novamente, distante da família, desamparada.
Uma batida na porta, entretanto, a tirou de seu monólogo de dor e desespero.
— Quem é? — ela perguntou.
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Tragédia romana
Ficción históricaLucrécia e César Bórgia são o clássico casal de mitos greco-romanos, que têm um amor proibido que causa inveja até aos Deuses. César quer proteger a sua jovem irmã do mundo inteiro, e sente que nunca conseguiria se afastar dela. Lucrécia se sente se...