Capítulo Um: Minha sacada

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T s u k i s h i m a

Hoje o dia estava chuvoso de novo, para minha alegria, a maioria das pessoas pode odiar dias chuvosos e as nuvens cinzas mas eu realmente gosto do clima mais fechado, fazia eu me sentir como se estivesse num livro de mistério. Não pude conter o sorriso que brotou no meu rosto ao pensar em quantos encontros de adolescentes a chuva teria estragado, ah sim, hoje vai ser um bom dia.

"Talvez Sugawara-senpai estivesse certo, eu via alegria na desgraça alheia."

Pensando bem, hoje o dia estava bem parecido como quando conheci meu vizinho. Fazia cerca de uma semana desde que eu tinha tido alguma conversa com meu moreno de rosto sardento. Parecia que não havia sinal de vida no apartamento ao lado, diferente do meu vizinho anterior que fazia questão de mostrar sua existência me perturbando todas as noites com música alta e de qualidade duvidosa, Yamaguchi parecia ser bastante silencioso para minha alegria.

Beberiquei a caneca de café e me sentei na escrivaninha do quarto, era sábado e não havia aulas na faculdade nem treinos do time, então eu teria um dia coberto de paz.

—Atchoo!

Ao menos foi o que eu tinha pensado.

—Tem alguém aí? —Ouvi um toque numa das janelas do apartamento. Deixei um suspiro escapar e esfreguei as têmporas. Era tudo que me faltava. Levantei da escrivaninha e abri um dos armários pegando o taco de beisebol de ferro e segui pelo apartamento, não poderia arriscar, e se fosse um ladrão? Ouvi mais um espirro e segurei o taco de beisebol com mais força nas mãos. Quando cheguei na sala vi na sacada um corpo se encolhendo de frio. Franzi o cenho. Não tinha como chegar na sacada dos apartamentos, a não ser que fosse algum residente do prédio.

—Tsukishima-san! —A pessoa encolhida me cumprimenta, franzo o cenho e ligo a luz da sala que ilumina uma parte da sacada, me surpreendo ao ver um cabelo verde escuro muito parecido com meu vizinho. Deixo o taco de beisebol do lado das portas de correr e abro uma delas sentindo o frio invadir o apartamento.

—Quem é você? —Questiono. O cabelo dele parecia muito com o de Yamaguchi, mas não me lembro das mechas de cabelo próximas a nuca pintadas de branco.

—Sou seu vizinho, se lembra? Yamaguchi. —Ele fala e estremece, eu pisco e o ajudo a levantar, ele estava ensopado e frio, parecia que tinha ficado na chuva desde o início.

E lá se vai meu sábado tranquilo

***

—Sinto muito por estar dando tanto trabalho. —Yamaguchi se desculpa pela milésima vez. Quase me sinto mal por ele. Depois de tirar ele da minha sacada e emprestar algumas roupas ele estava agora devidamente aquecido e sentado no meu sofá enquanto algum episódio de Criminal Minds passava na TV.

—No momento eu estou mais interessado em saber porque você estava parecendo um gato de rua na minha sacada. Você por acaso queria me roubar ou algo assim? —Pergunto aquecendo um pouco de água na chaleira.

—Não, eu estava indo pro meu apartamento, mas tive que desviar o caminho. —O moreno responde levantando do sofá.

—Certo, você é o Homem Aranha por acaso? Ou consegue escalar paredes?

—Se eu disser que não vou pra casa faz uma semana você acreditaria em mim? —Ele me olha vestindo uma das minhas camisas velhas, eu o encaro estreitando os olhos por trás dos óculos. Faria sentido, não tinha como alguém ser tão silencioso assim. Por vezes cogitei a possibilidade de ele estar morto no apartamento. Por mais que eu fosse ocupado e andasse com fones 70% do tempo, não tinha como alguém ser tão quieto.

—Talvez. —Respondo. Yamaguchi sorri sem graça.

Sinceramente, eu queria perguntar o porquê, porque ele não estava no apartamento dele fazia uma semana, se ele havia comido direito, porque pelo jeito que ele devorava os pãezinhos doces parecia que fazia semanas que ele não comia nada.

Então eu queria muito saber o porque

Foi por isso que eu reuni coragem e perguntei.

—Porque eu estava na sua sacada? Eu não podia deixar minhas plantinhas morrerem. —Ele respondeu sem rodeios. Eu pisquei duas vezes, depois quatro e me esforcei muito para não rir dele.

—Talvez você ache graça. Mas eu realmente cuido das minhas plantas.

—Morangos não é? Mas como você subiu?

—Eu nunca saí do prédio, tenho dormido na parte de cima, ninguém sobe lá mesmo, então é um lugarzinho só meu. Então eu uso umas escadinhas que ficam do lado da minha janela e subo pra cobertura.

—Eu achei que todo mundo podia usar as escadas. —comento.

—Não, eles se ofereceram para tirar a escada e trocar a janela do meu apartamento, mas eu gostei da ideia de ter um lugar extra pra mim. Eu soube que meu apartamento foi um erro de logística do arquiteto, era pra ser um duplex mas o dono do condomínio não gostou, então a parte de cima tinha virado só um monte de cimento vazio. Mas por sorte eu convenci o dono a deixar eu usar aquele espaço. —Ele sorri orgulhoso. Parecia uma criança.

—Eu sei que ao menos eu te devo uma satisfação por estar na sua sacada, e mais uma vez eu sinto muito por estar te dando--

—Você tem que parar de ficar se desculpando por tudo. —Reclamo ao morder um dos pãezinhos doces que havia restado. Yamaguchi se encolheu no sofá desconcertado.

—Descu- —Ele tapa a boca e eu olho pra ele. Ele limpa a garganta e brinca com os dedos. Minha camisa do Jurassic Park e minha calça moletom ficaram largas nele, o cabelo longo até o pescoço com as novas mechas na altura da nuca ainda estavam úmidas por conta da ducha quente que ele havia tomado. Por algum motivo, meus dedos coçaram pra tocar no cabelo dele.

"Sinceramente, o que está acontecendo comigo?"

Garoto do CondomínioOnde histórias criam vida. Descubra agora