Capítulo 7

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Enquanto deitava nos lençóis confortáveis da minha cama, olhava para a janela da sacada. O sol já se despedia, e o rosado do céu era presente. O dia havia passado voando.

O quarto cheirava a um perfume suave, muito leve, mas ainda estava ali. As luzes claras do lustre mudavam para amarelado assim que a noite caía. 

Meu corpo estava todo dolorido por conta do treinamento. Eu pensava sobre a dificuldade do que eu teria que enfrentar, não seria fácil.

Eu estava incomodada com todas as provocações e olhares que recebi hoje. Tudo dentro de mim parecia se agitar a cada instante que eu permanecia no hotel. Estava ansiosa com a idéia dos testes, e quanto mais pensava sobre isso, mais o tempo parecia não passar.  Mas meu corpo estava tão cansado, que se confortou no aconchego da cama e qualquer pensamento desapareceu em meio à fadiga. Eu adormeci.

Meus sonhos me levaram a minha antiga cidade, onde eu costumava sair para a praça principal nos fins de semana com meu irmão mais velho Felipe, nos dias quentes e ensolarados de verão. Nós sempre íamos para tomar sorvete, e apostávamos coisas bobas no caminho. Quem adivinhasse ou ganhasse o jogo, pagava o sorvete do outro.  Era algo divertido principalmente para mim, que quase sempre ganhava. Eu sempre fui muito boa em jogos.

Nós caminhávamos pelas estradas de pedra e as árvores da praça, enquanto conversávamos sobre coisas supérfluas. O vento era tão vívido que pensei que não estava sonhando. O balanço das folhagens era o mesmo daquele dia. Lembro-me que eu havia acabado de ganhar um olho roxo por ter brigado com uma valentona mais velha da minha rua. Eu tinha apenas oito anos.

Eu chorava e esfregava o olho que doía a cada toque, mas eu não deixava de esfregar por estar chorando. Eu sempre conseguia arranjar problemas facilmente. Na minha impulsividade e inocência, eu acabava me metendo em muitas confusões na infância, e principalmente na adolescência.

Depois de um tempo, comecei a ponderar as situações e abandonar um pouco do meu lado impulsivo. Ponderava a maldade nas palavras das outras pessoas, e acabei me afastando mais dos problemas. Demorou muito tempo para isso acontecer, mas às vezes ele sempre aparece, como quando me deixei levar por Eros. Os problemas apareciam e eu não percebia como eram grandes até me dar conta, quando a situação já havia piorado.
Meu irmão mais velho naquele dia havia ganhado de mim numa aposta, e estava me repreendendo na bancada da sorveteria.

—Como pôde deixar aquela menina fazer isso com você? –ele me perguntou, com as sobrancelhas juntas de preocupação. Sempre fazia aquela expressão quando eu aprontava algo. Eu continuava chorando. –Você ao menos se defendeu?

—Dei um beliscão nela. –falei em meio aos soluços.

—Helena... –Felipe começou a dizer. Tinha apenas quatorze anos na época, mas parecia ser bem mais maduro do que deveria ser. Ele sempre foi bom em me aconselhar, sempre sabia quando eu aprontava e era mais sereno que eu.  Mas podia ser feroz quando precisava. Sua pele morena e olhos castanhos eram idênticos aos meus. A única diferença era seu cabelo, que era mais encaracolado que o meu. –Você precisa aprender a se defender direito, olha só o seu olho!

Eu não falava nada em meio aos soluços e as lágrimas, sempre fui chorona.

—Ei, ei, não chore! –ele deu um leve soco no meu braço. –Eu não quero que ninguém te machuque nem te magoe. Não deixe ninguém te fazer mal. Quando perceber, revide. O mundo é cheio de perigos, você precisa estar preparada pra eles.

Suas palavras entraram em mim com tamanha força, que nunca me esqueci daquele dia. Mais tarde, meu irmão deu um soco do mesmo escalão na valentona, e eu saí abraçada com ele, sorridente. Com um sorvete que ele havia pagado para mim, mesmo que eu tivesse perdido a aposta.

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