not today

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Tyler soube desde o momento em que abriu os olhos que não seria um dia bom.

O peito estava pesado demais e o coração batia acelerado demais.

Ele acabara de acordar e apesar do cérebro estar meio enevoado do sono, seu coração galopava ferozmente dentro da caixa torácica que parecia agora ser apertada demais para o pequeno órgão revoltado.
Fechou os olhos com força novamente e segurou nos lençóis, sentido as palmas suadas e grudentas secarem ali. Sentindo também o peso que parecia ser o da pata de um elefante pisando em seu peito.

Mas ele não ficaria na cama. Hoje não. Sua antiga terapeuta não era lá essas coisas mas havia ensinado algumas dicas de respiração que ajudavam vez ou outra e depois de alguns minutos ele conseguiu se por de pé. O mundo parecia tão pitoresco de sua cama quanto fora dela.

06:01

Uma olhada para o relógio em sua cabeceira revelou que ainda tinha aproximadamente uma hora e meia até o ônibus escolar passar na parada próxima a sua casa. Não podia faltar escola de novo, ninguém acreditaria mais em qualquer que fosse a desculpa que inventasse hoje. Tyler respirou fundo.

Tyler.

Seu nome era Tyler. Ele precisava se lembrar disso as vezes, precisava gritar algo de volta pro abismo escuro no fundo de sua cabeça que falava coisas tão maldosas pra ele a noite.

Chega.

Não poderia ficar pensando nessas coisas ou três horas se passariam sem que ele percebesse que estava parado encarando o assoalho.
Hoje não. Hoje não. Hoje não.
Arrastou os pés e abriu as cortinas do quarto azul feioso mal iluminado. Ele realmente precisava limpar o lugar, tentaria fazê-lo assim que tivesse forças o suficiente ou estivesse em um de seus episódios bons. Fez mais algum esforço para sair do tal cômodo e foi até o banheiro da casa, seus irmãos já haviam acordado, pois a risada frenética de Jay podia ser ouvida no andar de baixo e Zack o repreendia por alguma bobagem, mas ria junto. Maddison devia estar dormindo na casa de alguma amiga.
Ou namorado.

Os Joseph tinham uma vida confortável, confortável significava estável o suficiente para não passar fome, ir ao shopping às vezes e comprar um móvel novo de vez em quando. Também significava pagar pelos remédios de Tyler, não eram muito baratos, o garoto sabia disso. Então se esforçava pra tomar todos os dias na hora certa, mesmo que odiasse os efeitos colaterais às vezes. Jogou as pílulas coloridas em sua boca e engoliu, indo até o chuveiro e deixando água cair em suas costas e cabeça. Ele só esperava que a fase boa chegasse logo.

Tyler tinha o que era mais comumente conhecido como Transtorno Afetivo Bipolar. Seu humor oscilava entre os extremos da depressão e as tentadoras fases da Mania (que nem sempre eram tão tentadoras assim, se ele fosse analisar bem. mas fazendo vista grossa, qualquer coisa parece ser melhor que se sentir um morto vivo.) Entre uma fase e outra ele caminhava como um fantasma entre as nuances, um vulto entre os espectros, respirando fogo e se alimentando de dor. Mórbido e patético, como sempre havia sido desde que se entendia por gente.

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"- Bom dia, querido. Fiz panquecas."
Disse sua mãe ao vê-lo descendo as escadas e se aproximando da cozinha. Não gostava muito de se juntar a família para as refeições mas já havia comido fazia um tempo então respondeu com um sorriso leve que pareceu deixar sua mãe feliz e se sentou ao lado de Jay, que o olhou de esguelha com curiosidade.

"- Qual é a do gorro?"

Perguntou o mais novo, apontando um garfo acusatório para a cabeça de Tyler. O moreno franziu a testa um pouco impaciente.

"- Hã? Que quer dizer?"

Seu cérebro não estava sendo muito gentil naquele dia, logo logo os remédios começariam a fazer efeito e ele começaria a ficar grogue. Não estava com paciência para perguntas imbecis.

"- O gorro. Tenho te observado às vezes. É algum tipo de código, não é? O que significa?"

Tyler piscou. Era. Na verdade estava mais pra uma mensagem idiota que ele tinha criado mais pra si mesmo do que pros outros, pois duvidava que alguém fosse prestar atenção o suficiente nele para fazer uma ligação entre as coisas. Ajeitou o gorro azul escuro na cabeça e disse:

"- Se você é tão esperto assim, não precisa que eu lhe conte tudo, não é mesmo, Jay? Qual seria a graça nisso?"

O garoto o fitou por um tempo antes de abrir um sorriso convencido, do tipo que dizia que tentaria com afinco descobrir o significado dos gorros. Tyler duvidava que o fizesse. Jay era passional demais com tudo para se ater nos detalhes. Tinha puxado isso ao pai. Ele conseguia observar algo aqui ou ali, fruto da curiosidade e da pré adolescência, nada demais. Era uma curiosidade que iria esmaecer com o tempo. Como todas as pessoas, como tudo.

Depois de comer em silêncio as panquecas da mãe, Tyler se despediu da mesma de forma quieta e seguiu seu caminho de forma lenta para a escola, como uma ovelha para o abate, pensando em como daria tudo para o mundo ficar silencioso e lento só para ele poder acompanhar. Ele pensou no ônibus da escola, tão barulhento e cheio com os gritos daqueles idiotas.

O resto do dia passou como um borrão. Um disco de vinil arranhado. Tyler riu algumas vezes, não lembra com quem ou do motivo, lembra que as coisas ficaram um pouco lentas como desejou. Lembra também de ter sentido tanto sono que sua alma parecia ter deixado seu corpo na aula de física e seus olhos se enchiam de água com o esforço para se manterem abertos. Malditos remédios.

Mas no fim do dia algo chamou sua atenção, quando estava prestes a entrar no prédio onde realizava sua atual e patética sessão de terapia em grupo. No meio de todo aquele borrão, um relance de cabelos tingidos de vermelho chamou a atenção de Tyler. E um pouco do torpor, só um pouco, foi embora.

mood disorder × joshlerOnde histórias criam vida. Descubra agora