Capítulo 1

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Dois anos depois

(survivin' – Bastille)

Andara Hendrix

Todos os dias fazemos muitas afirmações na tentativa de nos sentirmos um pouco melhor. Pensamos em qualquer coisa que possa ser usada de apoio na beira do enorme precipício da duvidosa existência humana para adiar a queda. Respostas que inventamos para perguntas que não deviam existir, o que criamos para preencher as lacunas, e o tempo.

O vazio.

A vida. Período breve, intenso e insano que passamos na Terra. O que acontece depois já não se sabe. Só se acredita. Acreditamos em algo, como fazemos com todo o resto.

Não sabemos de nada e acreditamos em tudo.

Uns nos outros, no futuro, em nós mesmos, no universo. Num mundo que não tem nenhuma ou qualquer responsabilidade com os restos de poeira estelar que somos.

Ah, humanos.

Nos sentimos no centro do cosmos, no nosso minúsculo planeta imerso e isolado na vastidão de só uma entre infinitas galáxias, de infinitos universos indescobertos por aí.
No nosso amontoado de células e ligações químicas que formam a realidade que cada um vê da sua própria forma. No completo nada que somos. 

Mas só estou dizendo assim porque é um dia ruim. Sou a primeira da fila das crenças insanas e sem garantias.

Se só tenho essa vida na Terra e nem sei quando ela vai ou pode acabar, quero viver tudo. Tudo que for possível e que eu possa inventar. Se acreditar é a única coisa que posso fazer, quero acreditar em tudo. Em todos, em mim. Se estou à mercê do destino, vou deixa-lo me levar pra onde bem quiser! Lutar contra seria apenas dificultar meu pequeno tempo limitado nesse lugar que tem tanto a oferecer.

Infelizmente, nessa existência sem defesas, não sei se dei muita sorte. Não sei se alguém já deu muita sorte de verdade. Algumas apenas não, definitivamente não.

São pessoas e pessoas. Algumas vieram para ser o centro da própria vida, para fazer as coisas, ter um emprego e uma família feliz. São as pessoas que não ligam pro cosmos, não tentam abraçar o universo intocável e invisível aos olhos, se ocupam o suficiente vivendo. E assistindo de longe, parecem tão felizes, fazem tanto.

E então, existem as pessoas como eu, ou quase. Quem vem meio sem rumo, para passar muito tempo tentando, pensando, se sentindo pequeno. Correndo atrás de algo que não conseguem dizer o que é.  As que lutam uma batalha diferente. Não maior, não menor, apenas menos palpável. Uma batalha abstrata e insistente.

O que posso dizer? Estou sobrevivendo.

Sobrevivendo em cores. Nas cores que eu invento, nas respostas que crio para as perguntas impossíveis. No completo caos que é existir presa na minha mente. Exausta e imparável, nem eu sabia que era possível juntar essas duas palavras e fazê-las terem tanto sentido.

Logo quando termino minha xícara de chá, saio de casa. De moletom mas os pés na areia, a melhor combinação para essa época chuvosa. O vento úmido do horizonte bate contra o meu rosto apenas para reforçar o estado de espirito de hoje:

Cinza.

Acinzentado como o céu embaçado e o sol encoberto por nuvens gélidas misteriosas. Dias assim são possíveis telas tanto quanto os outros, cabe a nós pintá-los com as cores ao alcance, sejam quais forem.

Vou caminhando sem pressa até a água, enquanto me permito ficar tão cinza quanto a paisagem por alguns minutos. Só o barulho das ondas e os meus pensamentos disparados.

Babylon - Calum HoodOnde histórias criam vida. Descubra agora