ATO III - ESPELHO

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Fiquei encarando a porta por um tempo depois da saída do Luan.

Eu sorria para o nada, lembrando da ótima tarde que tive. Fazia muito tempo que não me divertia e apreciava a presença de um amigo. Ou de qualquer pessoa. E era muito bom saber que eu tinha o direito de apreciar esses bons momentos.

Meu celular vibrou no bolso do calção. Era uma mensagem da minha mãe, dizendo que ia se atrasar. Decidi fazer um miojo para jantar, e fiquei cantando alegremente enquanto o preparava, lembrando do filme e da tarde com Luan.

A tarde ia se acabando. As sombras aumentavam à medida que a luz diminuía. Decidi tomar um banho antes de comer o miojo. Fui até o quarto pra pegar a toalha, ainda rindo para o nada, pensando em Luan e tudo o que ele tinha contado. Estava feliz que estava tudo encaminhado na vida dele. Que ele estivesse bem com a Flávia, e que tinha conseguido um emprego pouco depois de se formar. Deus sabe o quanto é difícil conseguir um emprego nesse país!

"Queria tanto que minha vez chegasse...", pensei, enquanto abria a porta do banheiro. "Tomara que consiga algo logo."

"Pra isso você tem que deixar de ser um fracassado", ouvi alguém falar.

Parei no portal do banheiro. Eu conhecia aquela voz. Conhecia bem demais aquela voz.

Era a minha voz.

À minha frente, meu reflexo retorcido me encarava de volta, com um sorriso malicioso.

Não...

"Quanto tempo a gente não se via, né?", ele disse, abrindo um sorriso assustador.

O cabelo era maior do que da última vez, praticamente indomável. As olheiras eram roxas, escuras. A pele pálida e sem vida. Magro. Fraco.

Era isso que eu tinha me tornado?

Procurei a toalha que tinha colocado em frente, rapidamente.

"Ah, não, eu tenho umas coisinhas pra falar antes", disse o que seria eu, enquanto tentava desesperadamente tirar a toalha do suporte, mas o nervosismo me atrapalhava.

Sentia as lágrimas enchendo meus olhos enquanto a toalha caía no chão e meu reflexo falava várias coisas.

"Fracassado."

"Inútil."

"Preguiçoso."

"Nunca terá nada."

"Nunca terá um trabalho."

"Nunca terá um amor."

"Nem amigos."

"Nem família."

"E vai acabar exatamente como está agora".

Sozinho.

A última palavra não foi o espelho que falou. Sei que saiu da minha boca.

Eu não tinha forças pra apanhar a toalha. Não tinha forças pra nada. As lágrimas enchiam meu rosto. Sentia seu gosto salgado na boca. Minhas mãos se fechavam com raiva, ainda tentando lutar. Mas elas iam enfraquecendo à medida que as palavras continuavam.

Eu estava cansado.

Dei as costas e saí em direção ao quarto. Podia sentir o reflexo se divertindo, sabendo que tinha vencido.

Deitei na cama, me cobri e lá fiquei.

Inerte.

Imóvel.

Sozinho.

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