Na fronteira do clã do rio

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Pata de crepúsculo acordou meio atordoada e cansada do que ocorreu no dia anterior. Ela se remexeu lentamente no seu ninho e olhou em volta. Pata de pombo estava deitado, pata rubra e pata de alecrim estavam do lado de fora da toca conversando alguma coisa. Pata branca e pata de raposa já tinham saído.
A gata negra se levantou e olhou uma última vez para o colega de toca, que não parecia se importar com o que acontecia ao redor. Ela saiu da toca e cumprimentou as companheiras de toca com a cabeça, as gatas apenas sorriram fraco.
Procurou por feixe noturno e a viu conversando com sopro de tempestade, que estava com a mesma cara de sempre. Ao lado do gato encontrava-se pata branca, prestando atenção em cada palavra dos guerreiros. Pata de crepúsculo andou até eles, tentando não encarar o aprendiz.
- Pata de crepúsculo! Eu já ia até sua toca te acordar, que bom que iremos treinar juntos! - Pata branca se pôs de pé, animado.
-Sim, não é muito seguro vocês saírem sozinhos com todo esse perigo a solta, não é? - A mentora provocou os gatos.
Sopro de tempestade gruniu baixo e rebateu: - Não fale como se fôssemos filhotes! Pata branca é bem mais experiente do que pata de crepúsculo, e eu sou bem mais-
-Vamos mesmo discutir sobre quem tem mais experiência? - Feixe noturno cortou.
-O que vamos fazer hoje? - Pata de crepúsculo perguntou amenizando o clima tenso.
-Podia começar aprendendo a ter modos melhores do que sua mentorazinha. - Sopro de tempestade caçoou a gata.
-Vamos logo com isso. - A mentora se levantou e apontou com a cabeça a entrada do clã. - Você irá conhecer o território do clã, pata de crepúsculo. - A gata falou com uma expressão indecifrável, respondendo a pergunta da aprendiz. - Sopro de tempestade, o que está esperando? Levante esse traseiro pulguento daí!
Pata de crepúsculo e pata branca riram baixinho, Sopro de tempestade bufou e se levantou lançando um olhar irritado pra feixe noturno, que apenas ignorou.
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Andaram algum tempo, quando pata de crepúsculo sentiu um cheiro diferente nas narinas, além de toda aqueles cheiros novos de plantas e tudo mais. Ela parou por um momento e feixe noturno pareceu sentir o cheiro também. Pata branca e sopro de tempestade estavam um pouco longe das gatas, mas não tanto para sumir de vista.
-Coelho. - foi a única coisa que a mentora falou.
-Onde? - A gata perguntou confusa com o cheiro suave.
- Pata de crepúsculo, você tem um focinho, fareje. Sem querer ser rude, mas acho que você é boa o suficiente pra pegá-lo. - A mentora falou baixinho.
-Mas eu nunca caçei nada. - A aprendiz disse tão baixo que a mentora quase não ouviu.
-Confie em mim.
A gata escura fez um aceno com a cabeça e se concentrou o máximo para localizar o animal. Permaneceu parada e levantou a cabeça mais uma vez, deixando o cheiro de presa percorrer suas narinas.
O aroma tomou conta do corpo da gata, que virou as orelhas para um farfalhar de folhas ali perto. O coelho! Ele tinha uma cor muito bonita, um tom amarelado mas marrom, não dava pra explicar. O cheiro ficou ainda mais forte, e corpo da gata pareceu reagir sem nenhum comando, se abaixando para não ser vista.
Ela havia visto uma vez sua mãe pegar um rato pequeno que estava perdido dentro da toca das rainhas. Pareceu tão fácil. A gata colocou todo o peso nos quadris, coisa que havia ouvido dos aprendizes na toca enquanto conversavam. Os aprendizes a disseram algumas dicas para a primeira caça e dicas de luta. A gata logo se lembrou do gato misterioso da noite passada. Deixou os pensamentos de lado e se concentrou no animal, que estava um tanto calmo. Ela se aproximou mais um pouco, tentando não fazer barulho.
Ouvira que coelhos tinham uma ótima audição, mas não ouviria caso fosse discreta. A gata estava frente a frente com o animalzinho indefeso. Mais alguns passos e ele estaria em suas garras. Ela respirou baixinho e reuniu forças pra saltar, prendendo o animal com as garras, que mal teve tempo de reagir. Ele se debateu um pouco, mas logo parou quando a gata mordeu de leve seu pescoço, o agarrando firmemente.
Ela se levantou com o o animal entre os dentes, quando avistou a mentora sorrindo orgulhosa de longe. Ela caminhou até a gata e soltou o coelho na sua frente. Feixe noturno deu uma lambida rápida da aprendiz, mas logo bufou quando sentiu a presença dos outros dois gatos, que estavam com presas entre os dentes.
-Boa, pata de crepúsculo! Eu vi seu salto, foi impressionante! - Pata branca sorriu com um camundongo na boca.
-Interessante pra primeira vez - Ele olhou para o coelho morto e riu - Um coelho bem burro eu diria.
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Andaram mais um pouco, agora estavam de frente para um rio que cortava a fronteira entre o clã do Rio e o cla das sombras. Pata de crepúsculo e os outros haviam enterrado suas presas não tão longe, depois as levariam pro clã. A gata pulou em algumas pedras, se posicionando para beber um pouco de água. Pata branca se posicionou não tão longe dela, bebendo também.
Pata de crepúsculo podia jurar que viu o gato sorrindo para ela pelo reflexo da água.
-Nunca vi você na vida, é nova aqui? - A gata pulou com a voz vinda do outro lado do rio. Um gato robusto, com pelo castanho, olhos azuis e um focinho rosa encarava a gata fixamente.
-Ei, quem é você? Acho que já te vi em alguma assembleia. - Sopro de tempestade se colocou ao lado da gata escura, lançando um olhar rápido a ela. Ele olhou com receio para o estranho que deu de ombros e se posicionou para beber água assim como os outros. Ele realmente ignorou a pergunta do gato sem nem sequer hesitar, o que fez Feixe noturno rir baixinho. Pata branca olhava estranho para o gato do clã do rio, que se recompôs e calmamente respondeu sopro de tempestade, que estava prestes a saltar nele.
-Sou pata de lontra, prazer. - Ele riu e deu uma piscadinha pra pata de crepúsculo, que desviou o olhar para o chão.
-Bem, pata de lontra, eu não quero ser ameaçador, mas não sabe que é perigoso andar por aí sozinho? Pelo que eu saiba, um de seus gatos morreu também. - Sopro de tempestade falou meio irritado.
- Ele não está sozinho. - Uma segunda voz foi ouvida.
Três gatos saíram dos arbustos atrás de pata de lontra, um maior do que o outro. Um deles era até maior do que sopro de tempestade. Os três novos gatos gruniram para os do clã das sombras, que hesitaram um pouco. Feixe noturno deu um passo pra trás e pata branca sorriu fraco olhando para o chão. Sopro de tempestade arrepiou os pelos da espinha e olhou de canto para pata de crepúsculo, grunindo sem motivo nenhum.
-Calminha aí, não vamos querer brigar não é?- Um deles falou rindo ironicamente. Ele se sentou, fazendo um aceno para os companheiros cessarem a formação de ataque. Eles hesitaram um pouco, mas logo obedeceram. Pata de lontra encarou pata de crepúsculo sorridente, fazendo pata branca abaixar as orelhas. A gata se posicionou ao lado da mentora, que se adiantou:
-Risco de ferro, não é? - Feixe noturno sorriu olhando para o gato que falou anteriormente. Ele acentiu com a cabeça e depois encarou o representante do clã das sombras.
-Sopro de tempestade?- Uma gata branca perguntou. O gato bufou e se sentou.
-Já que todos nós conhecemos por que não dão o fora daqui? Já estamos de saída também não é, feixe noturno?
A gata acentiu e se levantou. Mas pata de crepúsculo percebeu que Sopro de tempestade mostrou as garras discretamente.
-Conheço sua fama de lutador, Sopro de tempestade. Não precisamos lutar sem nenhum motivo. Vocês apenas vieram na hora errada no lugar errado, é normal patrulhas cruzarem os caminhos aqui. Mas todos nós concordamos em dividir o rio. - Risco de ferro sorriu para os outros.
- Como assim dividir o rio? Este Rio pertence ao clã das sombras! - Sopro de tempestade falou irritado, balançando a cauda. Pata de crepúsculo se afastou um pouco do gato, evitando olhar para os gatos do clã do rio.
- Sopro de tempestade.... - Feixe noturno suspirou, impaciente.
-Como assim o rio é de vocês? Estrela de leão e estrela de ouro concordaram em dividir o rio entre os clãs! - A terceira gata cortou. Ela era bem grande, com uma cor meio azulada.
-Pff, Estela de leão só concordou com pena de que o clã do Rio não se sustentasse apenas com presas terrestres. Devia agradecer a ele. - Sopro de tempestade riu, provocando os gatos.
-Acha que somos fracos? Repita de novo se tiver coragem! - Risco de ferro cuspiu as palavras, pronto pra lutar assim como os outros gatos incluindo pata de lontra.
-Experimente encostar em nós, sua bola de pelos molhada! - O representante gritou, mostrando as garras e dentes.
Mal acabou de falar quando a gata branca se atirou em cima de pata branca, que cambaleou para o lado despreparado. Ele caiu na água se debatendo pelo líquido gelado que preenchia seu pelo.
Sopro de tempestade se jogou em cima de risco de ferro, que revidou com um golpe certeiro no ombro do gato do clã das sombras. A gata azulada partiu pra cima de feixa noturno, que desviou lindamente fazendo a inimiga cair sem jeito na água.
Pata de crepúsculo olhou para pata de lontra, mas nenhum dos dois se mexeu. A gata se agachou pronta pra atacar, mas o gato apenas balançou a cabeça em reprovação. Ela olhou para os lados vendo os companheiros de clã se engalfinhando com os gatos do clã do rio. Ela nunca havia lutado na vida, não sabia nem por onde começar.
-não temos que lutar. - Pata de crepúsculo sussurou, olhando nos olhos do gato. Ele sorriu pra ela, com os olhos brilhando.
-Você não é como os outros gatos- Ele parou por um momento, parecendo procurar as palavras certas.
-Pata de crepúsculo- A gata sorriu.
-Bem, pata de crepúsculo , precisamos afastar nossos companheiros de clã antes que a situação piore. - Ele desviou o olhar e apontou para pata branca, que mancava para longe. A gata que o havia atacado estava lutando junto com risco de ferro contra sopro de tempestade, que estava com vários arranhões em seu corpo. O representante jogou a gata branca para longe e depois prendeu risca de ferro no chão. O gato cinzento estava com uma cicatriz horrível no rosto, que praticamente o deixou cego pelo sangue. Pata de crepúsculo correu até os dois, mas quando se aproximou já era tarde demais. Sopro de tempestade acertou em cheio a garganta do gato que jogou a cabeça pra trás, onde colidiu com uma pedra do rio. Ele soltou um grito de pavor, mas logo ficou quieto. Estava morto. O sangue escorria de sua enorme ferida na garganta. Sopro de tempestade havia as patas sujas de sangue, assim como sua boca e um pouco de seu peitoral. Os gatos do clã do rio soltaram miados estridentes de pavor e dor ao mesmo tempo, feixe noturno tinha os olhos arregalados e a gata que lutara com ela estava imóvel ao seu lado. Pata branca estava em baixo da gata branca, que tinha os olhos fixos e espantados na cena.
Pata de lontra correu até o corpo do gato, pressionando sua pata contra a ferida dele. Era inútil. O gato cinza tinha olhos espantados e a respiração cessada. Pata de lontra soltou um miado de dor e pressionou o focinho contra a pelagem sem vida do gato.
Pata de crepúsculo estava completamente sem palavras para a atitude do representante. O que diriam a estrela de ouro? E ao clã do rio? Ao próprio clã das sombras?
As duas gatas correram até o aprendiz e o corpo sem vida de risco de ferro. Elas lamberam algumas vezes, uma delas sussurou algo no ouvido de pata de lontra. A gata cinzenta se virou para os gatos do clã das sombras, alternando o olhar entre os quatro.
-VOCÊS PAGARÃO POR ISSO! PRINCIPALMENTE VOCÊ! - Ela cuspiu as palavras, olhando fixamente pra sopro de tempestade, com uma expressão de ódio estampada no rosto. Os três gatos do clã do rio se posicionaram pra levar o corpo de risco de ferro de volta para o clã, sumindo entre os arbustos.

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