O GIGANTE EGOÍSTA

96 23 23
                                    

Após horas na estrada e depois de ter parado pelo menos umas três vezes para abastecer, parecia que eles estavam finalmente chegando a algum lugar. Passaram por mais um posto de gasolina abandonado - o que não era de se surpreender, pois naquela região haviam mais postos de gasolina abandonados do que postos ativos - e avistaram a placa que apresentaria a nova cidade em que morariam durante o próximo ano.

Na placa dizia: Seja bem-vindo à Caprica! População: (algum vândalo havia pichado a numeração com uma tinta vermelha e desenhado uma caveira na cor branca como aquelas de navios piratas - típico de cidades que na entrada têm placas com a contagem populacional).

- Caprica? - riu Eric. - Parece nome de tempero.

- É verdade! - disse o pai do garoto acompanhando-o nas risadas.

- Dizem que é uma cidade histórica linda - disse Alice, ignorando as gracinhas dos dois.

- Sim, sim, sempre ouço coisas boas sobre Caprica. Salvo engano, a cidade foi construída por descendentes de Vikings que fugiram da Escandinávia depois de uma guerra por volta do século X e até hoje pelo menos 70% da arquitetura original continua de pé.

- Uau! - exclamou Eric. - Deve ser lindo então. Vou já preparar minha câmera.

- Espero que tenha espaço o suficiente no seu armazenamento porque do jeito que você é, vai querer fotografar até as pedras - riu Alice inclinando-se para bagunçar o cabelo do filho que já estava uma desordem - e o que não falta nessa cidade são pedras.

- Ha ha ha - ironizou o garoto tentando arrumar o cabelo em vão.

Aos 14 anos de idade, Eric havia ganhado sua primeira câmera de uma senhora, dona de uma das casas em que seus pais trabalharam. Era uma câmera analógica e com ela o garoto aprendeu a fotografar, o que acabou se tornando um hobbie e evoluindo para uma grande paixão. Ele simplesmente amava registrar tudo, sem restrições. Seus álbuns estavam repletos de fotos de lixeiras que via na rua e achava interessante, bancos de praças e pedras enormes. O mais simples objeto fotografado pelo garoto ganhava um valor visual inigualável. Era um dom. Morria de vontade de expor suas fotos numa galeria de arte ou algo do tipo, mas como não era conhecido, tinha que se contentar com seus setecentos e tantos seguidores no Instagram.

- Chegamos! - exclamou Gael mais alto que o necessário não conseguindo conter a animação e chamando a atenção da esposa e do filho.

Eric não conseguia ver os olhos dos pais neste momento, mas tinha certeza de que estavam brilhando.

A cidade era realmente fantástica. Parecia que haviam viajado no tempo há vários séculos atrás, como se nada tivesse mudado. As casas com paredes de pedra, telhados de madeira. As ruas com chão de pedrinhas alinhadas perfeitamente. Jardins espalhados aqui e ali, em canteiros, calçadas ou debaixo de janelas. Monumentos que homenageavam pessoas importantes do passado. Ruas estreitas e torres por toda parte. Algumas construções que não sustentaram o peso do tempo acabaram em ruínas, mas seus restos continuavam por ali para que não fossem esquecidas. Campos e parques que na primavera deviam ficar perfeitos, com lagos e patos descansando em suas margens. Tinha certeza de que se tivesse uma foto daquele lugar na época em que foi construído e comparasse com ele atualmente, as diferenças seriam mínimas. Claro que algumas modernidades eram facilmente notadas, como orelhões, por exemplo, postes de luz nas calçadas, vitrines de lojas feitas de vidro e antenas de TV e internet nos telhados. Mas no geral parecia que todo mundo que morava ali fazia questão e orgulhavam-se de manter a cidade tão histórica quanto a própria época quando ela nasceu.

Fascinado pelo que via, Eric acabou esquecendo-se de tirar fotos dos lugares em que passava. Mas não havia problema, ele ia ter um ano inteirinho para andar pelas ruas de Caprica e fotografar tudo o que visse pela frente.

O PAPEL DE PAREDEOnde histórias criam vida. Descubra agora