Prólogo

183 13 19
                                    

Num galpão que antes era utilizado para fabricação de produtos artesanais pela comunidade local a cerca de duas horas de distância do centro da cidade, não havia ninguém para ouvir o diálogo que se reproduzia no seu interior. A sinfonia que indicava a presença de pequenos animais de hábitos noturnos era a única testemunha. Infelizmente, não do tipo capaz de prestar um depoimento e denunciar o que ali se passava.

"Por favor, por favor! Por favor, me deixa ir embora!!! Eu prometo que te dou todo o dinheiro que tenho na conta, mas por favor, não me mata!", a mulher implorava em pânico.

Com os braços atados às pernas dobradas por um nó impossível de ser desfeito, ela sentia o peso na coluna se tornando cada vez mais cansativo. Somada a isso, a desidratação fazia sua garganta queimar com o esforço de falar qualquer coisa, mas um ser humano em estado de perigo busca qualquer meio para se salvar e ela ainda tinha esperanças disso.

"Pra você tudo se resume a dinheiro, não é mesmo, sua vagabunda?", o homem disse arremessando o próprio punho com toda a força contra o queixo da mulher que emitiu um barulho oco. Logo em seguida a vítima sentiu o gosto de sangue na boca. Havia perdido um dente.

Após isso, a mulher entrou em um estado em que trocava momentos de lucidez com desmaios, porém conseguia sentir de forma quase extracorpórea que era arrastada para um lugar diferente de onde se encontrava inicialmente. Ela já imaginava o que ocorreria ali, pois logo que recobrou a consciência pela primeira vez após seu sequestro 4 dias atrás, fora a primeira coisa que percebeu naquele ambiente: uma mesa do tipo cirúrgico cercada por mesas cobertas por toalhas brancas e cheias de equipamentos e utensílios meticulosamente organizados.

De forma irônica, dada a gravidade da situação, ao ver aquela cena a mulher se lembrou de seu professor de Física do Ensino Médio que insistia em lhe explicar a importância de medir corretamente antes de fazer os cálculos devidos. "Talvez, se tivesse prestado mais atenção naquilo, não teria virado puta e não estaria nessa situação agora", ela se autodepreciou em pensamento.

"Por favor, me deixa viver…", ela implorou mais uma vez  em tom quase inaudível.

O homem se sentiu como que atacado pelo pedido de clemência destinado a si e precisou de autocontrole para não vomitar dentro da própria boca com o gosto de bile que ali se acumulou. Despertava nele uma ira sem igual ver um verme maldito implorando para não ser esmagado.

"Esse não é um privilégio que você mereça, sua desgraçada.", o homem sentenciou.

Para seu maior deleite, injetou no corpo da mulher uma dose de epinefrina suficiente para fazê-la acordar. Após checar se todas as amarrações estavam seguras, o homem escolheu um bisturi dentre os dispostos na mesa à sua direita e iniciou o seu procedimento.

Quando a lâmina afundou alguns milímetros na testa da mulher, ela soltou outro grito que não sabia ainda ter forças para emitir. Estimulado pela reação, o homem continuou o movimento, traçando uma linha fina que seguia até a orelha do lado esquerdo. O corpo da mulher se agitou em um espasmo e o homem tinha certeza de que a única coisa que evitava o seu colapso era a adrenalina injetada anteriormente.

Mesmo assim, quando o bisturi fez a volta em torno do couro cabeludo, mesmo sob o efeito da medicação, a mulher não resistiu e desmaiou.

"Uma dó!", o homem se lamentou enquanto usava outro utensílio que ajudava a remover a pele grudada no crânio. Depois de algum esforço, ele conseguiu remover por completo o couro cabeludo da mulher que tinha o aspecto de uma mórbida peruca.

Devido à experiência anterior e pelo tanto que a mulher estava sangrando, o homem tinha certeza de que em breve ela deixaria de viver, mas isso não diminuía o seu entusiasmo em continuar o trabalho. O próximo passo consistia em remover os lábios, então trocou para uma ferramenta mais apropriada à carne mais tenra daquela parte.

O homem lembrava o quanto havia se assustado com a própria ação ao fazer aquilo da primeira vez. Mas foi justamente aquilo que o incentivava a continuar. Parecia fútil a seus olhos que as pessoas fizessem inúmeros procedimentos estéticos nos cabelos e cobrissem o rosto com maquiagens caríssimas se no final de tudo, debaixo de todas as camadas, todas sangravam igual.

Ao mesmo tempo, sentia repúdio por perceber que essas mesmas pessoas se esforçavam tanto apenas para se vender a outras. Fossem ou não garotas de programa, todas estavam dispostas a vender sua melhor imagem para conquistar diversos objetivos na vida: parecer boas esposas, boas funcionárias, cidadãs exemplares. Quanto mais alta a posição, mais irretocável e perfeita parecia sua maquiagem. 

"Um engano!", ele disse com raiva segurando uma das pálpebras que havia acabado de arrancar da mulher que agora não emitia mais qualquer sinal vital.

"SÃO TODAS FALSAS E TODAS MERECEM MORRER!", o homem gritou se regozijando com cada uma de suas palavras enquanto o sangue ainda fresco escorria por seus antebraços e manchava fartamente sua camisa.

Quando recuperou o fôlego, voltou à tarefa em mãos. Ainda tinha muito o que fazer antes de jogar aquela massa inerte fora.

A princesa e o detetiveOnde histórias criam vida. Descubra agora