IDENTIDADE

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DESCI AS ESCADAS EM DIREÇÃO ao andar de baixo, segundo orientação de uma moça trabalhadora na casa, que usava uma roupa verde e branca. Não foi preciso muito para eu confirmar sua identidade como alguém da minha zona. As pessoas de outra área classificavam aquele trabalho como indigno e por isso não deveria ser feito por um igual. Uma ignorância sem tamanho. Na branca sabemos a importância do trabalho, independente de qual seja ele. Todo aquele feito com o propósito de trazer comida e conforto, para sua casa, é honrado.

Cheguei a uma enorme sala de portas abertas e era possível ouvir uma conversa sobre a família real e o aniversário do príncipe. Coloquei a cabeça para ver se estava no lugar certo e vi a origem dessa conversa: uma televisão transmitindo um jornal local.

Sentada em uma poltrona — bem de frente para o televisor — havia uma jovem garota, de no máximo treze anos. Ela usava um aparelho verde, preso em seu punho e transmitindo uma chamada de vídeo através de um holograma. Ela conversava com um garoto de mais ou menos a mesma idade e foi ele a alertá-la sobre a minha presença na sala. A garota desligou o aparelho de imediato e se virou em minha direção.

— Me desculpe, eu não estava espionando você. Estava apenas procurando o escritório do Dr. Gebhart — me apressei em me defender. Ela sorriu.

— É à esquerda de quem entra na casa. Do outro lado — respondeu.

— Obrigada — agradeci e voltei minha atenção para a televisão outra vez. Um rapaz aparecia acenando para a multidão, ao lado de um homem de cabelos já grisalhos usando uma enorme coroa de ouro e pedras de rubis. Havia também uma mulher na cena e usava uma tiara feita com os mesmos materiais da coroa. O rapaz recebia uma coroa semelhante à do homem mais velho, porém mais fina. Só que não foi toda a ostentação a me chamar a atenção e sim o fato do jovem usar uma máscara preta no rosto, escondendo-o. Franzi o cenho.

— Hoje o príncipe Bernard faz dezoito anos e por isso foi oficialmente coroado príncipe herdeiro — ela me explicou.

— Porque ele usa essa coisa no rosto? — questionei curiosa.

— Ninguém conhece o rosto do príncipe. Dizem que ele é bastante feio ou tem uma deformação capaz de assustar a qualquer um, mas nada comprovado é claro. O rei está escolhendo uma noiva para ele e nenhuma garota quer, porque acham que ele esconde alguma coisa terrível.

— É bem provável ser essa a razão, até porque não faz o menor sentido usar algo assim se não tem nada a esconder — comentei.

— Está enganada, minha jovem — ouvi a voz do Dr Gebhart atrás de mim e me virei para olhá-lo. — Desde quando o rei Robert I, bisavó do príncipe Bernard, deu um golpe e assumiu o trono de Isave, a família real vem sendo alvo de um grupo inconformado com a coroa.

— A sociedade do Cervo Branco? — perguntei de maneira inocente. A garota soltou um grunhido atrás de mim e se encolheu na cadeira. O doutor franziu o cenho.

— Não diga nada sobre isso em voz alta — me repreendeu de maneira terna, quase como se fosse um pai corrigindo sua filha — As paredes têm ouvidos, muito cuidado ao falar na frente dos outros. A Anna é minha filha e por isso está tudo bem agora, mas não cometa esse erro outra vez. Podem achar que você sabe algo e isso te levaria a dar um "amigável" depoimento ao exército azul e fazer isso não é nada divertido, vai por mim.

— Sim, senhor.

— Mas sim, são eles. A família real, como eu disse, é alvo de vários ataques e um plano chegou ao conhecimento do rei, logo quando o seu herdeiro nasceu... — passou a sussurrar —... O objetivo era assassinar o príncipe e todos os herdeiros da coroa. Dessa forma, acabaria com a linhagem descendente do rei Robert I e deveria ter uma nova eleição para o povo decidir quem seria o novo rei, porque o rei James I não possuiria mais irmãos e nem outro filho homem para sucedê-lo. Eles conseguiram, ao longo desses anos, matar o irmão do rei e seus dois filhos homens.

Marcados - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora