O TRAIDOR ENTRE NÓS

106 13 0
                                    

EU ESTAVA ASSUSTADA DURANTE AQUELE momento. Eu tinha medo. As memórias do que Brunk tentou fazer comigo estavam nítidas e vivas dentro de mim, bem como a forma como ele me tirou tudo. Até mesmo o momento mais precioso, com a pessoa certa, acabou sendo algo difícil no início, mas Patch entendeu tudo e seguiu o meu tempo. E seguindo os meus sinais, tendo paciência comigo e me amando sempre, aconteceu.
Minha cabeça repousava em seu braço e ele acariciava as minhas costas com a mão boa. Vez ou outra beijava minha testa e sorria conforme eu devolvia o beijo em seu peito. 
— Garota, acabei de perceber algo importante. Quebramos a regra principal da formação — ele sussurrou e eu sorri. Eu estava ficando com sono, mas não queria dormir ainda. Queria aproveitar cada segundo com ele. Até porque, ele precisava sair rápido do meu quarto. Não podíamos correr o risco de sermos pegos.
— Devo lembrá-lo que não estamos mais na formação?
— Fico bastante alegre em ouvir isso. Se ainda estivéssemos, não poderia ter você aqui em meus braços agora — comentou em meio a um sorriso.
— Bobo. — Me apoiei no cotovelo e o observei por um tempo, enquanto ele brincava com alguns fios de meus cabelos, que caíam sobre meu rosto.
— Você é a mulher mais linda que eu já vi e não estou falando sobre esse rosto aí. Eu estou falando em um contexto muito mais profundo — comentou. Sorri ao ouvir aquilo e certamente corei, porque ele também sorriu e correu os olhos azuis pelo meu rosto, antes de novamente me beijar os lábios.
Tudo começou a tomar medidas imediatas novamente, conforme os nossos corpos se entrelaçaram outra vez, mas então minha pulseira tocou. Alto e persistente o suficiente para não conseguir ignorá-la.
Puxei um cobertor para cima de mim e impedi que quem quer que estivesse me ligando, percebesse que eu estava nua e que tinha alguém na cama comigo. Apertei o botão ao perceber que nada me escaparia. Era a duquesa.
— Oi, querida. Desculpe ligar a essa hora — comentou sorrindo.
— Não se preocupe — sorri também. Eu não tinha percebido, mas senti falta dela durante esses dias. Foi bom ouvi-la e saber que estava tudo bem com ela, depois de tudo o que estava acontecendo, mas sua expressão não estava tão convidativa e tranquila, quanto esperava que estivesse. — Está tudo bem? — perguntei. Os seus olhos começaram a marejar e então ela negou com a cabeça, para em seguida me dar uma notícia que eu não esperaria receber naquele momento. Não quando eu estava plena, amando aquele que me amava.
— Houveram mais alguns atentados nas zonas hoje — ela parou antes de continuar. — Shen sofreu um atentado e a casa de Gebhart foi atacada. O doutor está bem, mas a sua filha Anna está internada em estado grave na zona verde.
— E Shen? — perguntei. Vi Patch se sentar ao meu lado.
— Eu sinto muito, querida — comunicou e eu entendi por fim o que havia acontecido. Shen estava morto. — A mãe dele me ligou há duas horas, dizendo que ele sofreu um atentado enquanto estava em seu carro, voltando da emissora onde trabalhava.
— O mesmo que aconteceu com a gente — concluí, olhando para Patch. Com a notícia, pouco me importei se minha mãe de mentira iria ou não saber se era ele ou a Monica ao meu lado. Eu havia recebido a confirmação de que a sociedade estava sendo eliminada, uma por uma e só havia uma razão para isso estar acontecendo. — É melhor eu desligar agora, não quero correr o risco de alguém entrar aqui no quarto e nos ouvir. Estou feliz que esteja bem, Duquesa. Você e o Duque.
— Volte para casa o mais rápido possível — me falou e meu coração apertou. Eu não voltaria para a casa deles, quando isso tudo acabasse. Eu precisava achar uma forma de deixar Isave, porque levaria Jace e minha mãe comigo. Não podia correr o risco deles serem pegos novamente e dessa vez eu ir junto. Não ia dar esse gosto ao rei. Apenas sorri antes de desligar o telefone.
A essa altura, Patch já estava vestido outra vez e eu me enrolei em um roupão de seda que tinha em meu quarto.
— Você sabe o que implica essa notícia, não é? — perguntei. Ele confirmou. — Se antes era apenas uma suspeita, agora temos certeza. Tem um traidor na sociedade.
— Quem poderia ser? — ele perguntou. — Eu e você sofremos um atentado e estamos vivos por sorte.
— Gebhart também sofreu um atentado, mas a Anna se machucou. Shen, Mathilda, o esposo dela e o Levine estão mortos. — A imagem de Shen, dançando comigo em meu baile, surgiu em minha mente e me apertou o coração.
— E os duques? — Patch perguntou. — Não quero acusar ninguém, Amanda, mas eles estavam ótimos quando vieram aqui ontem. Negaram que o atentado na azul tivesse sido com eles.
— Não pense que eles podem estar por trás disso. O que ganhariam? Eles estão expostos tanto quanto eu estou, Patch. Eles me tornaram uma azul, esqueceu? Têm muito a perder se eu for pega ou se, na investigação desses atentados, acabarem descobrindo sobre a sociedade. — Ele respirou pesadamente, para então voltar a me encarar.
— Eu entendo.
— E sem contar que a sociedade não se limita a apenas essas pessoas. Você mesmo viu na reunião, tem muita gente envolvida — embora soubéssemos que estávamos sozinhos, a conversa seguiu quase em um sussurro. Estávamos em campo inimigo e todo o cuidado ainda era pouco.
— Não temos como saber. — disse Patch e eu concordei. — Só esperar.
— É. Só esperar e torcer para que nenhum de nós seja morto no processo — suspirei, me aproximando de Patch e o abraçando, descansando minha cabeça em seu peito. — Já não aguento mais esperar.
— Está tudo mais próximo de acabar, Amanda — ele beijou minha cabeça, me apertando em seus braços. — Logo você vai estar com a sua família e vamos dar um jeito de te inocentar. Você vai ver.
— Até lá, eu vou me esconder e você vai dar um jeito, junto com a Monica, de voltar para a vida de vocês. Está entendendo? — perguntei. Patch me encarou por um tempo, antes de começar a balançar a cabeça e sorrir.
— Eu não te deixo mais. Não entendeu ainda? Onde você for eu vou — sussurrou próximo de meu rosto, prestes a me beijar, mas não o fez. Beijou minha testa e a careta que eu fiz com esse gesto foi quase cômica. — Queria passar a noite aqui com você e dormir abraçado contigo, mas infelizmente eu tenho que ir. Terá uma ronda noturna das enfermeiras em uma hora, preciso estar em meu quarto nesse horário. — Me fez um carinho no rosto. Beijou minha bochecha, a ponta do meu nariz e em seguida os meus lábios. O beijo me deixou atônita, me causando uma nova revoada de borboletas em meu estômago. — Eu te amo.
— Eu lutei muito para não dizer isso, mas... — parei antes de falar e permaneci apenas olhando-o nos olhos. Os azuis que antes eram tão melancólicos, mas agora tinha algo inebriante por trás deles, algo que me hipnotizou e aos poucos me encantou. Queria olhar para aqueles olhos pelo resto da minha vida. — Eu acho que também te amo.
— Acha? — franziu o músculo da testa, numa careta cômica.
— Eu amo você, seu bobo. — Patch fechou os olhos, respirou fundo e então me olhou.
— Ai como eu odeio esse lugar, que vai me fazer te deixar justo nesse momento — me abraçou novamente, beijando meu pescoço no processo.
— A gente se vê amanhã.
— Então é melhor eu ir antes que eu me torne mais inconsequente do que eu já fui essa noite e te arraste de volta para aquela cama — me beijou uma última vez e novamente minhas pernas parecerem feitas de gelatina. — Até amanhã. — Patch piscou para mim, se dirigiu até a porta, observou se alguém estava vindo e saiu em seguida.
Já eu, me sentei na poltrona ao lado da minha cama e me encolhi. Eu estava em um turbilhão de emoções e vivendo numa montanha russa gigante, cheia de altos e baixos. Eu achei que tudo estava caminhando para um bom desfecho, embora eu precisasse pensar em detalhes importantes para o ponto final, mas a história não queria finalizar ali.
Eu precisava saber quem era o traidor ou talvez traidores. Como eu poderia saber? A minha segurança e a de Patch, o homem que eu descobri amar, dependiam disso.
Sobre a minha fuga com Jace e minha mãe, eu só sabia para onde iríamos: a casa, que ficava na zona vermelha. Olhei para meu roupão e me desesperei ao lembrar que a foto estava no bolso do meu pijama, o qual eu estava usando durante o acidente. Olhei em volta e não havia nem sinal que ele pudesse estar por ali.
Se aquela foto caísse em mãos erradas, eu poderia estar muito encrencada. Apesar de meu pai já estar morto, era questão de tempo até ligarem ele a mim e descobrirem que eu estava envolvida com alguma coisa relacionada a antiga eu. Talvez não descobrissem que eu era a mesma garota que estava sendo procurada em todo o país, mas ser ligada a Amanda Watts não era boa coisa naquele momento. Uma amostra disso era o que estava acontecendo na zona branca.
Eu não podia acreditar que eles estavam fazendo toda aquela revolução. A branca sempre teve medo dos coloridos por causa da força que o dinheiro lhes dava, mas as coisas haviam mudado radicalmente. A base da pirâmide percebeu que se elas saíssem de baixo, todo o restante caía e era exatamente o que estava acontecendo em Isave. A branca invadiu a roxa, tomando cada lugar dali. Obviamente que tiveram ajuda de algum soldado que, talvez, fosse a favor da sociedade ou até mesmo fizesse parte dela.
Como eu disse a Patch, não conhecíamos metade daqueles que estavam na reunião e não faço ideia de que cargos eles desenvolvem em suas respectivas zonas. O importante era que a branca estava se misturando ao roxo muito rápido e para chegar nas cores primárias não demoraria nada.
Me joguei pesadamente na cama e me encolhi. As lágrimas vieram em seguida, mas eu não sabia porque chorava. Se era por medo de ser descoberta ou por causa da minha família ou ainda por causa da morte de Shen. Senti um aperto no peito ao lembrar dele. Era muito jovem para ter morrido daquela forma e toda a Isave ficaria arrasada por dias. Ele era bastante querido por todos e por mim, de certa maneira.
Aprendi a ver o Shen como alguém próximo. Talvez um primo distante que fica feliz em te alfinetar na primeira oportunidade ou te desafia para ver qual é o seu limite máximo de paciência, mas que se alguém mexe com você, é o primeiro a se expor para te defender. Ele tinha me ligado há poucos dias, dizendo que iria até meu encontro e que começaria a investigar sobre as mortes de integrantes da sociedade. E se ele descobriu alguma coisa? E se essa foi a razão dele ter sido assassinado?
Me encolhi mais ainda na cama e chorei até pegar no sono.

Marcados - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora