1- Bendito dia chuvoso

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Sakura

Sabe, eu nunca gostei da chuva, na verdade eu sempre odiei a chuva, mas hoje em específico eu passei a odiá-la com todas as minhas forças.

Estou no enterro da minha mãe, um ambiente chuvoso e cinzento, irônico né? O padre está fazendo uma oração em frente a cova dela.

A próxima a falar serei eu, e não sei se eu consigo... ela era tudo para mim, meu porto-seguro, minha luz, meu pequeno anjo da guarda. Todos falam tão bem dela agora mas onde estavam todos eles quando minha mãe precisava de ajuda? Onde estavam esses amigos quando minha mãe deixou de comer? Onde estavam eles quando ela se trancou no quarto e ficou dias indo do quarto para o banheiro e do banheiro para o quarto? Ela mal queria sair e quando eu conseguia convencê-la era notável que não estava 100% bem, mesmo que sorrisse o tempo todo. Eu sabia que havia algo de errado, mas como eu que sempre convivi com ela não percebi que era algo extremamente sério? É minha culpa. Minha culpa ela ter se enforcado. Minha culpa ela ter desistido de tudo. Eu poderia tê-la ajudado, poderia ter dado importância, poderia, poderia, poderia, sei que poderia tê-la salvado de si.

- ..amém.- finalizou a oração- Agora daremos lugar de fala à pessoa que sempre esteve com ela, à pessoa que provavelmente mais a amava e que sempre a acompanhava.. Sakura, quer falar algo, filha?- dirigiu seu olhar à mim.

- Sim.. claro..- caminhei desanimadamente e de cabeça baixa até ficar ao lado do padre.

Eu ja havia chorado tanto que agora, na frente de todos, não conseguia chorar. Simplesmente nenhuma lágrima caía. Era agonizante. Eu só queria gritar, berrar bem alto para tentar tirar todo o peso e culpa de minhas costas, mas não podia, não queria. Eu merecia essa culpa, eu era a culpada, tenho certeza que eu a sobrecarreguei, eu a levei a exaustão, eu era a pior filha que ela poderia querer, tenho certeza disso.

- Eu sempre quis saber como seria viver sem os cuidados de minha mãe, mas não desse jeito.. eu sei que ela gostava de ser independente então queria seguir seus passos. Ela era alguém animada até poucas semanas atrás. Ela era alguém sorridente e era minha melhor amiga. Sempre me ouvia quando eu precisava, me dava seu ombro quando eu chorava, se alegrava por mim quando eu conquistava algo e acima de tudo, sempre esteve do meu lado, me ensinando coisas sobre a vida ou até mesmo coisas malucas, me repreendia quando necessário e sempre foi uma mulher justa.. eu tinha um discurso todo preparado mas eu simplesmente não quero dizer essas palavras bonitas que eu escrevi porque não é isso que estou sentindo, não é como se eu pudesse simplesmente aceitar que ela se foi.. por mais que eu saiba disso..- inspiro e expiro- eu realmente desejo que ela tenha se orgulhado de mim, e ainda que não tenha, a partir de hoje darei cada vez mais orgulho a ela. O sonho dela era ser médica mas nunca teve essa oportunidade, tinha dificuldades na época que iria fazer a faculdade e preferiu ajudar seus pais com dívidas do que pagar uma faculdade. Depois eu nasci e ela achou que não poderia mais seguir em frente, tentei convencê-la que ainda dava tempo mas ela negou e disse que deixaria esse sonho para mim. Agora, quero me tornar a melhor doutora que eu puder para levar orgulho a ela, e ser capaz de salvar vidas para que menos pessoas sofram como eu estou sofrendo... eu te amo mamãe- agora olhava para a cova ao invés de encarar as pessoas- sempre vou te amar e você sempre estará no meu coração. Você foi alguém que eu admirei muito e ainda admiro, tenho certeza que está em um lugar bom, e que daí de cima a senhora me observe e cuide de mim, assim como fazia aqui na Terra e assim como não fui capaz de fazer com você.

Silêncio. Eu não tinha coragem de olhar para as pessoas que repentinamente ficaram quietas diante de minha última frase. Até os choros cessaram.

Voltei para minha cadeira e esperei os outros discursos passarem, até que finalmente pude ir embora.

Quebra de tempo

As Lágrimas das NuvensOnde histórias criam vida. Descubra agora