Capítulo 1

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"É só um corte de cabelo" eu pensei, "não vai dar em nada". Mas, como sempre, eu estava redondamente enganada. Tipo assim, eu tinha apenas cortado meu cabelo comprido em um estilo Chanel. Mas a minha avó superconservadora estava agindo como se eu fosse o Lucky Diamond Rich, um cara neozelandês que tem cem por cento do corpo coberto por tatuagens — até a parte interna do ouvido e as solas dos pés.

— Você está parecendo uma dessas garotas de casas noturnas! — Ela disse, me analisando com olhos reprovadores.

O que era muito errado. Não só por ela estar sendo muito rude, mas também porque eu nunca ouvi falar que cabelo curto fosse um pré-requisito para alguém exercer o meretrício ou ser uma stripper — a Demi Moore em Striptease tem um cabelo bem comprido, na verdade.

— Mãe! — Foi a minha mãe que ralhou com ela. — Que coisa horrível de se dizer. Além do mais, é só cabelo. E cabelo é igual capim: cresce de novo.

Apesar de o cabelo da minha mãe ir até o meio das costas, ela tinha dito que tinha gostado do meu corte novo. E ela não tinha surtado nenhum pouquinho.

— Mas os homens não gostam de cabelo curto — minha avó insistiu, irredutível.

Eu também não concordava com esse argumento. Pra mim era óbvio que se um cara não gosta de cabelo curto, ele pode deixar o seu próprio cabelo crescer. E eu nem tinha um namorado para pedir opinião, afinal. Eu tinha achado meu cabelo bonitinho. Sério, eu tinha ficado meio fofa e tal.

Por sorte, nesse momento, escutei a buzina do carro do meu pai, na rua. Sem perder tempo, peguei a minha mochila e me despedi da vovó e da minha mãe.

Era sexta-feira e meu pai tinha me chamado para passar meu último final de semana de férias com ele. Não que fôssemos fazer algo demais. Normalmente ficávamos assistindo filmes porque meu pai é jornalista e tem uma coluna semanal em uma revista sobre cinema, sugestões de filmes, séries e tal.

— Cortou o cabelo? — Meu pai perguntou, assim que me joguei no acento do passageiro e atirei a mochila no banco de trás.

— Sim — confirmei, esperando algum comentário. Como ele não fez, perguntei: — Perguntei: — Ficou feio?

— Não. — Mas ele nem tinha realmente olhado, só tinha continuado a prestar a atenção na rua.

Suspirei, frustrada. O lance com a reação da minha avó nem devia ter me surpreendido. Porque ela gastava bastante energia julgando o meu comportamento desde sempre. E, na verdade, eu até sabia o motivo.

Tipo, meus pais nunca foram casados. Nem chegaram a morar juntos, se quer saber. Na real, minha mãe tinha engravidado quando tinha dezesseis anos e meu pai dezessete. Minha mãe já tinha terminado o namoro de seis meses quando descobriu que estava esperando um bebê e nem isso foi motivo suficiente para que ela quisesse reatar — embora, pelo que me contaram, meu pai tivesse proposto. Há alguns anos, eles têm a minha guarda compartilhada.

Minha avó meio que enlouqueceu naquela época. E não é como se eu pudesse culpa-la. Eu meio que sou obrigada a entender porque minha avó acha que eu cometeria os mesmos erros da minha mãe. Ainda que eu saiba perfeitamente que eu sou a garota menos provável em toda a escola Adolpho Lutz de engravidar durante o ensino médio. Não é como se houvesse qualquer cara remotamente interessado em se aproximar de mim o bastante para conceber uma criança.

Assim que chegamos ao prédio onde meu pai mora me apressei em subir as escadas — o elevador já está quebrado há mais tempo que aquele em The Big Bang Theory — até o quarto andar.

Eu sei, você deve estar se perguntando porque uma garota de quinze anos não estava aproveitando seu último final de semana de férias com os amigos. E a resposta é que isso seria impossível.

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