Na sexta-feira de manhã, quando a minha avó ligou — você sabe, para garantir que a minha mãe já tinha saído da cama —, vi que minha mãe fez a maior cara de chateação dos últimos tempos. Certo, não é incomum que minha mãe faça uma careta ou outra durante suas conversas matinais — não é como se eu pudesse culpa-la por se aborrecer de ter de falar ao telefone às seis da manhã —, mas aquela expressão não podia ter muitos significados. Não foi exatamente uma surpresa quando minha mãe anunciou, se jogando em uma cadeira em frente à minha na mesa da cozinha.
— A mamãe e o papai vão vir almoçar aqui amanhã.
— Dia da Inspeção — falei, com um suspiro. Não foi uma pergunta.
Dia da Inspeção foi o apelido que nós demos à essas visitas da minha avó. Ok, não é como se ela não aparecesse frequentemente na nossa casa. O negócio é que quando ela avisa com antecedência que virá, como se ela fosse realmente uma visita e não um membro importante da família, geralmente sugere que ela está se preparando psicologicamente para chegar a nossa casa e criticar tudo que pudesse. Isso acontecia com mais frequência do que gostaríamos.
E foi por isso que minha mãe e eu passamos a noite de sexta e a manhã de sábado organizando e limpando a casa em vez de pedir uma pizza e assistir à algum programa bobo na tevê, como tínhamos planejado. Nada de risadas divertidas vendo à algum programa de auditório. Apenas ocupação arrumando nossos quartos — por incrível que pareça o meu quarto era o mais organizado da casa —, passar a pilha de roupa que se acumulava na área de serviço — porque só passamos quando vamos vestir e está muito amassada —, lavar o banheiro, tirar cada microscópico átomo de poeira, trocar os tapetes e todo o resto que fizesse com que a casa ficasse brilhando e que garantisse que a vovó poderia passar o dedo indicador sobre qualquer móvel sem encontrar nenhum resquício de pó.
Justo quando eu queria ir para a casa do meu pai no sábado de manhã e já almoçar lá e tal. Não me entenda mal, minha mãe até se esforçou e fez sua especialidade para o almoço: panqueca recheada com frango. Mas a verdade é que cozinhar está longe de ser um dos maiores talentos da minha mãe. A gente se contenta com o básico arroz e feijão com qualidade mediana e uma constante de comida congelada. E, sério, tudo bem. Eu nunca reclamo nem nada.
Mas não me julgue por achar que ia almoçar com o papai, que é um dos melhores cozinheiros que conheço. É uma das minhas pequenas felicidades comer na casa do meu pai. E eu estava perdendo o strogonoff que ele tinha dito que ia fazer para ficar ouvindo minha avó tagarelar sobre como a mídia influencia as crianças. E o exemplo que ela citou em seguida foi o beijo gay exibido em um desenho — que é só um beijinho como qualquer outro. A minha vontade mesmo era de revirar os olhos, mas me contive e mordi a língua para não responder quando ela começou a palestra sobre como esses programas influenciam crianças a virarem homossexuais. Por experiência própria, eu já sei que tentar argumentar com a vovó é como conversar com um objeto inanimado.
— Mãe, a minha geração cresceu vendo o Pernalonga se vestir de mulher e ninguém nunca disse que "virou" gay por causa disso. — Foi a minha mãe que tentou argumentar.
— Isso é que a gente não sabe!
— Pois eu acho ótimo que pessoas homossexuais tenham cada vez mais espaço na televisão, para que se torne algo natural vê-los como são.
— Ah, mas e se a Elizabeth virar lésbica? — Minha avó desafiou.
Dessa vez contive um suspiro entediado. Eu sempre tive liberdade para falar sobre qualquer coisa com a mamãe. Se eu fosse lésbica provavelmente ela já saberia. Mas com a vovó é diferente. Eu só costumo deixa-la achar que tem razão. Isso economiza muito tempo e poupa a minha energia.
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Teen FictionSer a garota excluída que se apaixona pelo cara popular. Liza estava ciente de que isso era um tremendo clichê. Mas chantagear o cara popular para que ele fingisse ser seu namorado não devia ser tão comum assim. E descobrir que os populares não são...