A Mari e o Lukas voltaram do intervalo menos aborrecidos, dava para ver de longe. Principalmente o Lukas. Na certa porque, ao contrário de mim, ele tinha se alimentado — o que era meio caminho andado para melhorar o humor dele.
— Ainda está chateado? — Perguntei, já de volta ao meu lugar, no final da aula de matemática, depois que a professora Brigite já tinha dado visto nos cadernos de todos os alunos que tinham feito os exercícios e corrigido-os na lousa.
— Acho que eu não tenho o direito de ficar — ele respondeu. — Chateado, eu quero dizer. Sabe, o caderno é seu, o tempo gasto fazendo a tarefa também é seu... Você que sabe o que fazer.
— Então você está chateado. — Não foi uma pergunta.
— Não. — Foi a resposta mais mentirosa que ele dera nos últimos tempos. O que ele queria dizer é que ele não ia se intrometer, não que concordava.
Suspirei, frustrada. Mas não o interpelei mais. Até porque eu estava mais preocupada com a aula que estava começando. Isso porque era aula de sociologia com a professora Ozana e todo mundo sabe que ela também é professora de sexologia. Não que ela fosse ensinar sexologia para a nossa turma, mas ela é conhecida pelas aulas dinâmicas e criativas.
— Eu quase sinto falta do Proerd — o Lukas confessou sussurrando quando a professora entrou.
A Mari concordou veementemente.
— Totalmente.
A professora que entrava na sala era alta e esguia, tinha cabelos curtos tingidos de vermelho vivo e usava óculos grandes. Ela não era nada parecida com uma atriz pornô como alguns garotos julgaram que seria.
E, felizmente, pelo visto ela não ia começar uma aula sobre relações sexuais. Depois de se apresentar e dizer que era socióloga e tinha especializações em blá blá blá. Ela começou a explicar em uma voz tranquila e agradável que queria propor uma atividade para que nos conhecêssemos e para desenvolver mais confiança entre nós. Aparentemente isso seria necessário nos próximos debates que teríamos em aula.
Cara, sinceramente, eu a achava uma otimista. Tipo assim, a maior parte das pessoas naquela sala estudava junta desde o ensino fundamental. A gente já sabia que vários alunos destilavam veneno. Se em cinco anos não tínhamos aprendido a confiar uns nos outros, certamente não ia ser agora que faríamos isso. E eu não conseguia pensar em nenhuma atividade que fosse fazer com que parte da turma esquecesse que outra parte soltava veneno em todas as oportunidades.
Mas o que ela queria propor era que escrevêssemos em um papel qual foi a ocasião que sentimos mais medo nas nossas vidas. Não devíamos colocar nome porque depois trocaríamos os papeis e leríamos em voz alta as respostas uns dos outros.
Por que ela não pedia logo para que nós pulássemos de bungee jumping? Com certeza eu me sentiria mais confortável que contando algum segredo meu para toda a classe, ainda que eu não fosse ser identificada. E pela primeira vez notei que eu não devia ser a única desconfortável.
Pensei durante vários minutos, tentando lembrar de todas as vezes em que senti muito medo. Eu não queria escrever nada que parecesse idiota, como aquela vez que precisei usar um colar cervical por causa de um torcicolo e eu morri de vergonha de sair na rua e as outras crianças rissem de mim. Ou ainda quando assisti O Chamado pela primeira vez e não dormi por três noites.
Por fim, embora uma memória martelasse a minha cabeça, escrevi sobre aquele dia quando eu tinha oito anos, em que quebrei o Santo Expedito que ficava no oratório da minha avó e a Kelly, minha prima, não pensou duas vezes antes de me dedurar. Eu achei que a vovó fosse me bater, mas vez disso ela passou o maior sermão da história da humanidade. Sério, ela deve ter ultrapassado as 8445 palavras do discurso mais longo dentre os presidentes dos Estados Unidos, feito por William Henry Harrison em 1841. Minha avó me deixou em pânico dizendo que Deus ia me castigar por isso e fiquei semanas esperando o castigo divino em forma de raio caindo sobre mim.
Ainda era uma história idiota? Sim. Mas, era o que eu tinha a oferecer. De toda forma, eu esperava que ninguém soubesse que era minha. Eu não lembrava de já ter contado essa história para alguém — talvez apenas o Lukas, que na época insistiu que duvidava que Deus fosse jogar um raio sobre uma criança.
Quando formamos um círculo para lermos, tinha mesmo um monte de histórias bobas envolvendo todo tipo de insetos — desde ferroadas de abelhas e encontros com baratas. Mas também havia algumas histórias sobre doenças, bulling e corações partidos. Acho que reconheci a história da Mari quando a Elaine, nossa representante de turma, leu um relato sobre alguém que quebrou o braço depois de cair de uma jabuticabeira quando era criança e achou que seu braço fosse ser amputado ou qualquer coisa assim — ela já me contou algo parecido.
O meu papel foi lido pelo Wendel, um garoto conhecido por inventar histórias muito mentirosas. Ninguém riu da minha história como aconteceu com o lance da barata, então acho que não foi nada mal.
Felizmente, essa dinâmica preencheu toda a aula e não tivemos maiores constrangimentos do que ter que olhar um para a cara do outro no círculo.
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Fiksi RemajaSer a garota excluída que se apaixona pelo cara popular. Liza estava ciente de que isso era um tremendo clichê. Mas chantagear o cara popular para que ele fingisse ser seu namorado não devia ser tão comum assim. E descobrir que os populares não são...