1. Atenes

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Meus joelhos ardem enquanto permaneço agachada para esfregar o pano no chão.

Paro por alguns segundos para observar o ambiente onde estou: o primeiro andar do Palácio do Norte, de onde meus senhores governam todo o amplo território Norte deste continente.

As paredes brancas com detalhes em Ouro,  o chão polido e perfeitamente branco,  portas enormes de madeira cara, estátuas de ouro e cortinas de tecidos raros; tudo para mostrar a riqueza que eles possuem.

Enquanto isso, fora da proteção de guardas e das muralhas reais, milhares passam fome todos os dias. 

Enquanto os nobres passam seus dias desperdiçando comida em banquetes, exibindo roupas caras e se apegando a costumes que a sociedade intitula ' nobres ', pais trabalham o dia para mal conseguir sustentar a família.

Família; lembro-me bem da minha, muitos anos atrás. Como das outras vezes, minha memória favorita surge na minha mente: Meus pais, eu e meus três irmãos sentados a mesa, rindo e conversando sobre o dia.

Na semana seguinte soldados foram até as aldeias mais pobres, pegaram as jovens mais 'robustas' para serem uma nova geração de servas no castelo e simplesmente queimaram o que sobrou.

"Para não causar revolta ou problemas futuros", eles disseram. Assim que tudo o que eu amava foi tirado de mim, arrancado por selvagens que se acham superiores apenas por possuitem ouro e sangue nobre.

Abandono meus pensamentos odiosos quando escuto o alto som do sino do Castelo, da Torre mais alta, indicando que é hora de jantar e se recolher.

Minha rotina é simples: Acordo assim que o sol nasce e coloco meu vestido simples desbotado e meu avental-saia preto. Ando até o refeitório para o café da manhã que geralmente é pão e chá,  faço os trabalhos necessários no dia, volto para o refeitório para jantar , geralmente caldo de legumes, e vou para meu pequeno quarto, que divido com mais 3 mulheres.

Já São 10 anos nessa rotina, e as vezes só saio do automático quando encosto minha cabeça no travesseiro.

A maioria dos dias não há tempo para pensar, para respirar ou para reclamar.

Porém, há aqueles em que minha mente se agita,
meu espírito parece fervilhar; então uso a escuridão da noite para me encobrir e fujo até o jardim dos fundos, deito na grama macia e olho para as estrelas até tudo se acalmar.

E pode ser que algumas vezes eu faça isso mesmo que não esteja inquieta.

No caminho para o refeitório observo o ambiente da ala das criadas: paredes cinzas e chão gasto, tudo com um cheiro de mofo e velho por causa da escassez de janelas por aqui. Parece que o ar é frio e sem vida, embora os rostos sem sorrisos e vozes caladas já passem essa impressão sozinhos.

A maioria das pessoas aqui parecem estar mortas por dentro, com a alma congelada pelo sofrimento.

Imagino que a única coisa que me impede de ficar assim é aquele céu noturno, ocasionalmente admirado pelos meus olhos.

A janta foi a mesma coisa de sempre,  alguns sussurros  pelo refeitório,  que consistia em mesas e cadeiras de madeira escuras e gastas.

Porém, antes que eu pudesse me levantar e correr para fora escondida, a mulher que comandava todos os criados do Palácio fica em pé no centro da sala e toca um sino.

Filipa tem em torno de 40 anos; seu corpo magro e esguio e sua posição perfeitamente alinhada e ereta destaca sua obsessão por etiqueta e seguir regras.

Ela usa um vestido de um tom de roxo quase preto, claramente gasto pelo uso, e sapatos pretos no mesmo estado. Seu cabelo castanho está, como de costume, preso perfeitamente em um coque no topo da cabeça, sem um fio fora do lugar. A pele negra quente combina com as luzes oscilantes do fogo das lamparinas e da lareira ali.

- Atenção! Daqui exatamente uma semana uma figura de poder do continente visitará os nossos senhores. A Senhora Charlote me instruiu para que eu escolhesse vinte de vocês para estarem fazendo a manutenção do Palácio no dia.  Apenas essas servas, que eu escolhi pessoalmente por causa de habilidades especiais e aparência,  terão permissão para transitar pelas áreas nobres. - Áreas nobres, como eram chamadas partes do Palácio onde nobres normalmente passavam.

Ela começou a falar nomes, e suspiros de animação junto com cochichos começaram a surgir no refeitório.

Eu mesma reconheci alguns e busquei pelo salão aquelas que tinhas sido convocadas, constatando que estavam ou muito ansiosas ou muito amendrontadas.

- ... Guiles, Yrene, Elain, Atenes.

Meu coração acelerou quando ouvi o último nome. Eu? Mas por que  seria escolhida?

Alguns olhares voltaram-se para mim, repletos de curiosidade e julgamentos. Logo Filipa voltou a ditar orientações.

- Para essas que falei o nome, será dado um uniforme especial no dia, e deverão prender o cabelo corretamente e estar totalmente impecáveis,  não importa o trabalho que façam. É responsabilidade de vocês passar uma boa imagem de nossos senhores. Estão dispensadas para se retirar, todas.

Enquanto as mulheres se agitavam para conversar ou ir para seus quartos descansar, eu corri para a rua, desesperada por ar fresco e uma folga dos meus pensamentos.

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