2. Atenes

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A semana passa sem mais agitações, embora a maioria ainda comente sobre amanhã, o dia em que essa figura de autoridade virá ao Palácio.

Ainda penso o por que fui escolhida. Será que por minha aparência ou minhas habilidades de limpar e polir o chão? Parece que pela aparência,  já que fui instruída de ficar no Jardim, podando flores e arbustos o dia todo.

Levanto de onde estou sentada, nesse mesmo jardim, e ando até a fonte de água, observando meu reflexo trêmulo na superfície cristalina.

Meus cabelos são de um tom preto e abundantemente longos, com algumas ondulações naturais, assim como os da minha querida mãe.

Mas meus olhos, o que mais admiro em mim, são a única herança que meu amado pai me deixou. Sou a única de quatro filhos que foi presenteada por olhos de um tom azul claro belíssimo, iguais os dele. 

Ainda lembro de seu olhar no meu quando ele não podia dar alguma coisa para mim por causa da falta de dinheiro, cheio de culpa e dor. E, nas noites em família na frente da lareira, ele me olhava com amor e orgulho, ou mesmo para minha mãe, mostrando o quanto ele ainda era apaixonado por ela apesar de tantos anos e de tantas dificuldades.

Minha mãe também tinha olhos belos, de um tom de castanho que me parecia chocolate derretido. Ela sempre me admirava com eles, dizendo o quanto eu era mais bela do que qualquer filha que ela poderia sonhar ter. E então meu pai sorria e concordava, e meus irmãos riam dizendo que eles que haviam puxado a beleza de mamãe,  não deixando nada para mim.

Eles eram muito parecidos, ambos de cabelo castanho sempre bagunçados, olhos castanhos cansados e a pele queimada por anos de trabalho pesado no sol quente.

Mas sempre me tratavam com carinho, me davam amor e brincavam comigo.

As poucas lembranças que tenho de todos eles são o que me mantém viva, queimando de saudade e dor.

Pelo menos eu queimo, assim como o fogo que os destruiu um dia.

Lágrimas correm pelo meu rosto ainda sujo de poeira  por causa do dia de trabalho, adquirindo uma cor escura e formando rastros molhados por minha pele branca.

Me ponho novamente no lugar onde estava deitada e olho para o céu estrelado, desejando que eu não morra aqui, que não fique presa nessa rotina pelo resto da minha vida  servindo pessoas que me desprezam.

Dor surreal me atinge de repente, sinto o ar sair de mim. Aquela dor era tão forte, tão real; podia sentir minha alma se afogando nela.

Os pontinhos brancos parecem brilhar ainda mais, como se tentassem me confortar com sua luz. Sinto uma brisa morna passar por onde estou, agitando meus cabelos e meu vestido,  fazendo meus pelos arrepiarem.

Por um momento posso sentir o cheiro de uma floresta distante, repleta de plantas e vida; fecho meus olhos, e é como se a imagem flutuasse até mim: é realmente uma floresta, imensa, com muitos tipos de árvores e plantas, animais de muitas espécies vivendo por ali e o sol penetrando pelos espaços ausentes de folhas.

Parece a imagem da paz e do silêncio, da felicidade e liberdade que nunca poderei experimentar. Consigo sentir a felicidade, os sentimentos que aquele ambiente transmite.

Paz, amor e tranquilidade. Liberdade, justiça e ar fresco.

O ambiente parece emanar vida e luz, me preenchendo de esperança e calma, envolvendo minha alma em luz para lavar qualquer tristeza que me perturbe.

Essa imagem vai desaparecendo aos poucos e minha mente volta a mim, fazendo eu abrir os olhos rapidamente. O céu está ficando claro e posso ver o sol começando a nascer no horizonte. Foi um sonho? Posso jurar que senti o cheiro e senti tudo, que toquei nas folhas úmidas e corri pelo chão molhado. Nunca havia experimentado algo parecido!

Me apresso e chego ao refeitório, onde uma fila de mulheres aguarda para pegar o uniforme especial para hoje. Depois de vesti-lo, me apresso em ir ao jardim para começar meu dia de trabalho.

Porém, não importa o que eu faça, não deixo de pensar naqurla floresta e, o que quer que tenha sido aquilo, na sensação tão confortante que me trouxe.

Como se eu estivesse segura de qualquer coisa.

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