Capítulo 5

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Tom me fala para ficar de olho no novato e dou-lhe algumas poucas explicações durante o expediente, como não irritar o gerente, chegar sempre antes do horário e nunca deixar de sorrir para os clientes, mesmo que isso custasse sua dignidade.

Contudo, ele já parecia saber se portar muito bem diante as situações.

Era rápido, bastante eficiente e quando uma senhora de cabelos grisalhos quis reclamar comigo arduamente por causa dos ovos mexidos "sem sal", e ele a impediu com um breve sorriso, seguido de um pedido de desculpas sincero, fiquei me  perguntando se aquele garoto não se tornaria uma ameaça para o meu emprego, e que droga eu faria da vida se fosse demitida por causa de um novato altamente qualificado.

Mas que se foda.

Tranco meu armário após colocar a farda sem graça lá e escoro minhas costas no metal frio, retirando o celular do bolso do meu jeans.

Os livros que aluguei mais cedo já estão na mochila outra vez – apesar  de contra a minha vontade –, e sinto a dor invadir meu corpo só de pensar carregá-los o caminho todo até o dormitório.

Mesmo assim, não tenho muito escolha. Estava curiosa. Com os pensamentos nas nuvens desde a madrugada passada, desde aquelas asas, os vídeos estranhos, e precisava pesquisar mais sobre, fosse apenas miragem da minha cabeça ou não.

De repente, passos firmes surgem em minha direção. Olho para o lado, onde o novato se encontra no momento.

Ele desce as escadas e anda até o armário da frente, sem nenhuma expressão no rosto. E não olha para mim um segundo sequer enquanto retira uma mochila escura de dentro, suas roupas e um capacete preto.

Cruzo os braços, numa tentativa de reconfortar a mim mesma.

Eu deveria ser educada e agradecer pelo ocorrido de mais cedo. Deveria agir conforme uma pessoa normal e responsável faria diante a situação.

Meus lábios, entretanto, não agem conforme minha mente sabe que é correto.

— Por que essa lanchonete? — eu pergunto, simplesmente.

O garoto me encara, os olhos castanhos estão sem entender o significado da frase. Mas a intensidade daquele contado direto faz meu estômago queimar. Ele era muito bonito.

— Falando comigo? — meu novo colega de trabalho pergunta, quando ergue uma sobrancelha.

— A não ser que tenha outra presença invisível aqui dentro, sim, estou.

Ele sorri. Não é um grande sorriso, mas uma brecha se abre em seus lábios rosados e o garoto começa desabotoar sua blusa, ignorando minha presença, mesmo seu rosto estando em minha direção. Ele pega uma blusa preta dentro do armário.

— Certo, gracinha, não tenho tempo para interrogatórios.

— Você poderia ter entrado em qualquer outra lanchonete.

O novato deu de ombros.

— Gosto do horário daqui. Pagam bem.

— Não pagam não.

— Que seja. Mas por que está tão irritada com isso? Tem medo de perder o emprego?

Sim, eu tinha.

Tinha medo pra caralho da possibilidade de Tom decidir demitir alguém e o sorteado fosse ninguém mais que eu. Como eu pagaria meu dormitório se isso acontecesse? E minha comida? Meus outros gastos pessoais? Arranjar emprego era difícil demais a situação atual. Ainda mais um que correspondesse com as minhas horas de aula.

Cruzo os braços, enquanto ele termina de vestir sua blusa.

— Tom nunca contratou alguém fora da época de contratação antes. Eu tive que implorar.

— E daí?

— Alguma coisa você teve que fazer pra isso acontecer.

— Nascer bonito conta?

— Você não é bonito.

— Você tem miopia, não tem? — sua voz sai quase sincera.

— O quê?

De repente, seus passos então vindo em minha direção. E quando está próximo o suficiente para eu ver cada detalhe de seu rosto, das incontáveis cores de castanho em seus olhos, a pele saudável, o maxilar definido e os lábios rachados com uma leve cicatriz quase curada, fala:

— Consegue me ver melhor?

Estou abismada demais com a sua frase para ficar nervosa. Sinto meu coração acelerado, mas não demonstro. Não verdadeiramente.

Finjo estar chocada e digo:

— Meu deus, estou!

Ele sorri. Não porque acredita em mim, mas porque sou uma péssima atriz.

— Sério?

— Claro que sim!

— E o que achou disso?

— Sua aparência?

— Sim, minha aparência.

—Bem, a porra do seu ego de merda cobriu ela toda. Mas está tudo certo, já que era isso que você queria que eu visse, não é? E eu vi. É genuíno.

Seu sorriso alarga e agora, consigo ver seus dentes. Brancos, limpos, atraentes.

O novato ainda está perto de mim. Sua respiração e a minha se juntam algumas vezes.

— Será um prazer trabalhar com você, Amara — é tudo o que ele diz.

Então se afasta, pegando um capacete do armário e trancando-o.

Eu me permito finalmente respirar fundo, saindo da sala logo após ele.

Não, definitivamente não era um prazer.

Ággelos ❄ GOT7Onde histórias criam vida. Descubra agora