Capítulo 8

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O carro dela está estacionado em frente a lanchonete quando chego apressada. Noto uma criança dentro, brincando com um urso de pelúcia rosa claro, um sorriso distraído nos lábios, a inocência aparente.

Lembrava de quando Pitty o pegou em uma das máquinas velhas de uma loja de jogos.

Ela perdeu quase vinte dólares no dia, mas não desistiu até conseguir aquilo para sua filha.

"Ela quer muito isso, não para de encher meu saco. Eu não aguento mais, é literalmente o dia todo: Mãe, aquele urso rosa isso é aquilo", reclamou posicionando a mão de metal dentro da máquina, indignada. "De verdade, quer um conselho? Se possível, não tenha filhos."

Aquela frase saiu exclusivamente para mim, mas não para si mesma. Nunca para si mesma. Porque Pitty amava aquela menina.

E no momento que foi capaz de pegar o urso, foi como se tivesse feito a coisa mais heróica do mundo.

Olhando para a criança, eu entendia o porquê que ela tinha feito o que fez. Perdido seus vinte dólares em troca de deslumbrar aquela felicidade... não tinha sensação melhor.

Quando Emma percebe minha presença, lanço um sorriso para ela. Retribuindo, a criança me mostra seu brinquedo favorito e sussurrando, solto um "ele é lindo". Então entro na lanchonete, dessa vez, pela frente.

Não estou atrasada. Cheguei quase uma hora mais cedo, apenas para ter a certeza que conseguiria vê-la, e era bom saber que fui capaz de disso.

— Aqui está — Tom diz, entregando um envelope para Pitty, que tenta sorrir. — Você tem certeza disso, Laura?

Ela olha para o papel claro. Há tristeza nas órbitas sempre tão expressivas quando acena com a cabeça e confere o dinheiro, o guardando na bolsa.

— Tenho. Acho que tenho.

— Sabe que podemos ajudar você aqui. Que podemos dar um jeito no seu problema, seja lá o que estiver acontecendo...

— Não tem como eu ficar, Tom. Vai muito além dos meus limites. Ou dos limites de qualquer um de nós. Sou muito grata por todos esses anos de trabalho, mas preciso ir.

Olhando sutilmente para o lado, é quando Pitty nota minha presença.

— Oi... — eu falo, acenando, enquanto me aproximo com tristeza. — Então você realmente vai embora?

De repente, os olhos dela enchem de lágrima. Despedidas dramáticas não é o forte de nenhum de nós, mas por algum motivo, ninguém consegue aceitar o fato de que uma mudança tão drástica quando aquela está prestes a acontecer. E não há como voltar atrás.

— Sei que serei insubstituível nessa lanchonete, pessoal. Mesmo você preferindo a morte ao admitir isso, Tomás — ela encara nosso gerente com um sorrisinho acusatório e ele tosse brevemente —, mas estão exagerando. Não é como se eu fosse morrer, gente. Só estou me mudando.

— Para longe — recordo.

— É, mas eu tenho um motivo.

— Eu sei. Eu só... vou sentir muito a sua falta.

— Eu sei — ela sorri, me abraçando.

Reviro os olhos, quase que me arrependendo daquelas palavras.

Mas é verdade. Eu sentiria muito a falta dela. E como a própria disse, Tom também.

Pitty poderia não ter rédeas em sua língua, atitude que por sinal, eu herdei dela pela longa convivência. Contudo, ela responsável, e fazia seu trabalho melhor como ninguém.

Todos aqui no trabalho adoravam a apresenta dela. Sua animação, seu jeito tão leve de agir, como se não tivesse seus próprios demônios internos para lidar.

Ela era meu verdadeiro orgulho. A minha inspiração de ser humano.

Quando se afasta, vejo uma lágrima cair dos olhos dela. A garota beija minha testa, sorrindo.

— Se cuida, está bem? Principalmente agora, que não serei capaz de pegar no seu pé.

— Sim senhora, mãe — provoco.

Ela sorri, retirando algo do bolso. Uma caixinha pequena, preta, com algo desconhecido dentro.

Fico surpresa com sua atitude e nego por instinto, tentando devolver seu presente, mas ela se mantém firme ao continuar, entregando-o em minhas mãos:

— Apenas aceite, por favor. É de coração.

— Pitty...

— Uma lembrança sincera. Algo que a faça ter forças para seguir em frente todos os dias, mesmo a vida lhe dando motivos para desistir. Mesmo que todas as pessoas filhas da puta tentem convencê-la que não. Seja forte, está bem?

Não quero deixar as lágrimas caírem de meus olhos. Não quero ser fraca. E não quero que ela pense que estou sendo egoísta me recusando a aceitar um presente vindo por ela, por isso me rendo, aceitando seu presente.

— Não trouxe nada para você...

— Não se preocupe com isso. Não precisa.

Pitty termina de se despedir dos demais e eu a acompanho até a porta. Estou segurando suas mãos com força, sem vontade de deixá-la ir, mas é em vão. Não há mais o que fazer.

Do lado de fora, ela caminha até o carro, onde sua filha ainda se mantém ali. Eu cruzo meus braços, observando-a entrar e me aproximo do vidro.

— Você não está nervosa? — pergunto.

— Será um caminho difícil, mas familiar. Acho que conseguimos chegar antes do anoitecer.

— Certo. Me liga quando chegar lá, está bem? Se não vou acabar  pensando nisso o dia inteiro...— peço.

Ela acena, pondo o cinto e olhando enfiando a chave no buraco. Quando a gira e o carro faz um barulho estranho, Pitty diz:

— Eu ligo — ela sorri, olhando para mim uma última vez. — Amo você, está bem? Se cuida.

— Vocês também, se cuidem!

Quando me afastado afasto, aceno com as mãos, murmurando um tchau inaudível e então respiro fundo.

Era sempre difícil.

Dizer adeus era sempre difícil.

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⏰ Última atualização: May 26, 2022 ⏰

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