Minas Gerais, Serra Dourada
Final do século XIX.
Eram exatas três horas da tarde e, pontualmente, uma das criadas que trabalhavam no casarão da família Carvalho da Silveira, bateu à porta de um dos aposentos com a mão livre enquanto com a outra, segurava uma bandeja, trazendo o chá da tarde.
Com a coluna aprumada, a jovem Isabel atendeu a porta, dispensando cordialidades a outra serviçal, recolhendo a bandeja prateada.
Enquanto ouvia a porta se fechando, um suspiro carregado de frustração deslizou por entre os lábios finos e delicados de Berenice enquanto permanecia em pé, diante do roupeiro do marido.
Em uma tentativa estranha de descarregar a insatisfação que a assolava nas últimas horas, a mulher afagou os cabelos salpicados de fios grisalhos, acusando seus quarenta e nove anos de idade. Em algumas mulheres, a aparência supracitada caracterizava desmazelo, mas para a condessa, os fios cinzentos a deixavam mais charmosa.
Naquele dia, Berenice e a sua dama de companhia havia passado um bom tempo procurando por algo que pudesse comprovar as intuições da mulher. Reviraram o gabinete, a biblioteca do casarão, os quartos de hóspedes, mas não encontraram nada.
— Ah, senhora, perdoe-me a intromissão — Isabel dizia enquanto colocava a bandeja sobre a penteadeira. —, mas presumo que esteja cometendo um equívoco. Já reviramos todo o gabinete do senhor Inácio e agora, o quarto...
Com as mãos em torno da cintura demarcada pelo espartilho, a senhora Silveira deu um risinho sarcástico e olhando a dama de companhia por cima dos ombros, respondeu:
— Oh, querida, estou admirada com a sua ingenuidade. A pouparei de uma resposta mal criada. — Afastou-se do roupeiro, andando na direção da jovem. — Sinto que há algo errado com o José Inácio. — referiu-se ao esposo com certo pesar. — O distanciamento dele nos últimos meses, o silêncio, o olhar...
Enquanto saboreavam o chá, Isabel observava a bagunça que a senhora Silveira havia feito com as roupas do conde e imaginou o trabalho que o valet de chambre do homem teria para organizá-las outra vez.
— Ah, hum... — a garota elevou as sobrancelhas finas, analisando o que diria. — Aí, e-eu... — deu de ombros, hesitante com a conversa, sob o olhar curioso da condessa. — A senhora presume que... — suspirou, abaixando o olhar. — Bem, que ele esteja com outra mu...
A senhora Silveira irritou-se com a intromissão da moça e antes que Isabel pudesse concluir a frase, a interrompeu de modo ríspido:
— Não sei! — revirou os olhos, dando as costas para a jovem.
Pensar na possibilidade de o conde estar enamorado por outra mulher, deixava a condessa preocupada em demasia. Não por ciúme, pois não cultivava sentimentos tão avassaladores por Inácio, mas temia que uma paixão pudesse domá-lo ao ponto de abalar, outra vez, a solidez do matrimônio de três décadas.
O conhecendo desde a infância, Berenice sabia que, embora fosse natural para os homens, de acordo com as regras do patriarcado, José não era dado a libertinagens. Envolvia-se apenas quando se sentia atraído por alguma mulher, que até então, ao longo de sua vida, havia sido a senhora Silveira, a criada Rita e a desconhecida Lívia Albuquerque.
A condessa ainda degustava o chá, acompanhado de alguns biscoitos amanteigados, quando ao avistar o cabideiro do outro lado do quarto, atrás de uma das pesadas cortinas, um lampejo de euforia brilhou nos olhos dela. Ela sorriu, sem mostrar os dentes e colocou a xícara de chá na bandeja.
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A Sedução de Lívia (DEGUSTAÇÃO) (AMAZON)
RomansaEsta obra encontra-se registrada na Câmara Brasileira do Livro (CBL) com identificação do direito autoral como DA-2023-035417. DISPONÍVEL COMPLETO NA AMAZON E PELO KINDLE UNLIMITED No Brasil do século XIX, a condessa Berenice Silveira vive uma vida...