O dia do grande jogo chegara! Chegara para grande angústia minha. Pensava que iria ser mais forte, mas os meus nervos esfrangalhavam-se mais e mais à medida que o tempo passava e a hora do jogo se aproximava. Tentei distrair-me sempre que possível, mas volta e meia divagava. Os meus pensamentos saltitavam entre Jean-Marie e Diego, entre a Bélgica e a Argentina.
Completei o trabalho de transcrição encomendado pela minha tia, essa foi uma das distrações. A outra foi o jogo entre a França e a Alemanha Federal que aconteceu ao meio-dia, em Guadalajara. Na televisão passaram diversas reportagens com a história desse jogo que iria apurar o primeiro finalista do campeonato.
A minha tia não recebeu nenhum telefonema do instituto e esteve em casa durante a manhã toda. Protestou contra a minha escolha televisiva, mas quando o jogo começou ficou a ver franceses e alemães a se baterem no campo por um lugar na final.
Eu estava a ficar cada vez mais nervosa. Para conseguir chegar a tempo ao estádio Azteca 2000 teria de sair por volta da uma de casa. Os minutos corriam no relógio e a minha tia continuava sentada à mesa, a fumar um cigarro, lendo um relatório datilografado decorado com desenhos a preto e branco de tumbas aztecas recentemente descobertas.
O jogo entre franceses e alemães foi para intervalo. Conferi o meu relógio de pulso. Faltavam dez minutos para a uma. Levantei-me e fui à casa-de-banho lavar a cara. Olhei-me ao espelho. Estava determinada e nada, nem ninguém me iria parar. Mudei para uma roupa mais confortável, calcei as minhas sapatilhas. Abri e fechei as mãos. Respirei fundo. Conferi outra vez o meu relógio de pulso. Passavam cinco minutos da uma da tarde.
Apanhei a minha mala que coloquei a tiracolo. Na televisão o jogo entrava na segunda parte. A Alemanha continuava a ganhar por um a zero, golo conseguido nos primeiros dez minutos. A minha tia levantou os olhos do relatório. O fumo do cigarro enrolava-se em espirais cinzentas junto à sua orelha. Eu estava de pé e direita como uma coluna grega.
– Vou sair, tia – anunciei.
– Sair? – estranhou. Nem ela, nem eu, mudámos as nossas posições. – Sair para onde? Daqui a nada vou fazer qualquer coisa para comermos. Está na hora do almoço... Vais sair para onde? – repetiu.
Apontei o bloco de notas em cima da mesa.
– Terminei o meu trabalho. Encontrei os dados que querias e transcrevi-os daqueles dois livros. Estou livre. Posso sair.
– Podes, mas não vais sair que eu não te deixo sair, a não ser que me digas onde vais.
– Vou ver o jogo da Argentina e da Bélgica.
– Podes ver o jogo em casa, como estás a ver este da Alemanha.
– Quero ir... para o centro.
– Para o centro? Vai estar uma grande confusão no centro. Já ontem estava. Demasiados argentinos eufóricos com a sua equipa e com Maradona. Houve desacatos e tudo, constou-me. A polícia mexicana teve de intervir.
– Quero estar no meio da confusão. É mais... divertido.
– Não podes sair. Pousa a mala e descalça-te – sentenciou e baixou os olhos para o relatório.
O silêncio era pegajoso, denso e quente como o ar lá fora. Comprimi os lábios, inspirei profundamente.
– Quando chegámos ao México disseste-me que tinha de saber andar sozinha, que já tinha catorze anos e que existiam telefones. Mandaste-me para León para ver um jogo de futebol.
– Isso foi antes de estares desaparecida durante uma semana e eu completamente apoquentada, sem saber se estavas viva ou morta, caída numa valeta qualquer.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sonho de Verão
Ficción históricaEste é o meu diário secreto de uma viagem inesquecível que fiz ao México, no longínquo ano de 1986. Acompanhava a minha tia para ajudá-la nos seus estudos sobre os aztecas, acabei dentro de uma aventura totalmente diferente. Esses dias ficaram para...