29 de Junho de 1986 (Domingo)

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O dia da final do campeonato do mundo chegou.

Acordei com vontade de fazer deste um dia inesquecível. Diego teria o mesmo na sua cabeça. Entrou no quarto passavam poucos minutos das sete da manhã. Vinha da rua onde fora barbear-se. Cheirava a loção e esse intenso odor masculino embrulhou-me o estômago e corei, atrapalhada com o calor que se espalhou dentro de mim. Confessou-me que não tinha dormido nada.

– Ouvi-te a ressonar.

– Devo ter fechado os olhos por alguns minutos... Não dormi nada, já te disse.

– Sentes-te bem para... jogares?

– Sim, claro. – Não me olhava quando falava comigo.

Tentámos não nos atrapalhar na utilização da casa-de-banho. Ele pareceu-me efetivamente fresco e descansado àquela hora, nem sinal das supostas longas horas de vigília e do que tinha acontecido na noite anterior.

Incluí nesse saco imaginário mesmo tudo o que tinha acontecido na noite anterior. Com a luz da manhã, os beijos pareceram-me ridículos, um embaraço mútuo. A dança fora engraçada e valia a pena recordar. Os beijos, não. Então, apaguei-os da minha mente – por ora e porque havia outras preocupações mais prementes e bastante mais interessantes.

O grande jogo entre a Argentina e a Alemanha Federal que decidiria o campeão mundial de futebol no México, naquele ano de 1986, sobrepunha qualquer outra questão, quer fosse pessoal, local ou global.

Diego estendeu-me uma camisola dobrada num rolo. Quando a desenrolei descobri que era a camisola oficial do equipamento alviceleste. Tinha o símbolo da federação argentina ao peito, era da marca francesa Le Coq Sportif. Voltei-a. Não tinha qualquer número nas costas. Por um pequenino instante desiludi-me. Queria um número dez. Depois achei que era melhor assim. O diez argentino era só de Diego Armando Maradona.

Se estava apaixonada por ele, como me apaixonara por Jean-Marie? Não. O que eu sentia por Diego era algo mais indizível, inclassificável, grande e complexo. Tive medo de lhe chamar amor, porque era impossível amar alguém que não conhecia. Mas podia ser, se eu fosse verdadeiramente presunçosa.

Eu amava Diego e estava apaixonada por Jean-Marie.

Aproximei o tecido da camisola incrivelmente leve ao rosto.

– Oh... tem buracos – observei.

– Buracos? – Diego tirou-me a camisola das mãos. – Disseram-me que era nova. Tem buracos onde? Atrás ou à frente? Debaixo dos braços? – Falava e ia inspecionando a camisola.

– Tem buracos no tecido. Buracos pequenos em todo o tecido.

– Ah, os furinhos! – Devolveu-me a camisola. – Vamos jogar ao meio-dia, precisamos destas camisolas que nos vão permitir suar sem a empapar, tornando-a pesada. Uma ideia genial da marca... Bem, hoje não vamos poupar energias. É agora ou nunca. Não teremos segunda oportunidade – concluiu determinado, fechando o punho.

– Mas eu não vou jogar...

Mordi a língua. O comentário fora desnecessário e parvo.

– Não, mas vais para o campo e convém estares vestida de forma adequada. Faz muito calor no campo. Sim, é para vestires para o jogo.

– Qual campo, Diego?

– Para ires ver o jogo! – respondeu impaciente, encarando-me finalmente.

– Então, não me vão dar um bilhete...? A Bélgica costumava... – Calei-me. A Bélgica tinha dinheiro, a Argentina não.

– O estádio está lotado, não há mais bilhetes, Tina. Para ninguém. Quero a ver-te o jogo, quero-te comigo no estádio. Davas sorte à Bélgica, acredito que nos vais dar sorte também. Quanto mais perto estiveres da ação, melhor. E vais estar, ali, a ver o jogo a acontecer à frente do nariz.

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