Jean-Marie foi mesmo castigado. De acordo com a nota de imprensa daquela manhã, o guarda-redes titular belga estava em dúvida para o jogo de sábado devido a uma gastroenterite. Foi Jan quem veio dar a notícia. Eu continuava deitada, a fingir que dormia. Ouvi aquilo e comecei a chorar baixinho, sentindo uma culpa atroz.
Mas quem era eu para interferir na vida profissional e desportiva do guarda-redes principal da seleção da Bélgica?
O colchão oscilou. Uma mão quente pousou no meu ombro. Um sussurro com o meu nome, duas vezes. Desisti de fingir. Descolei as pestanas e voltei-me devagar. Deitei-me de costas, puxando o lençol até ao queixo.
– Bom dia! – disse-me Jean-Marie entusiasmado.
– Bom... dia... – Mastiguei as palavras, incomodada com a alegria dele porque não me apetecia mostrar-me alegre.
– Começou um novo dia e temos de o aproveitar da melhor maneira que conseguirmos. Vou sair para te deixar mais à vontade. Utiliza a casa-de-banho, despacha-te e vamos tomar o pequeno-almoço.
– Jean-Marie?...
– Sim, Tina.
– O que é que vai acontecer... agora?
– Agora vamos comer que estou com fome. Não tens fome? Eu tenho.
Soergui-me apoiada nos cotovelos. Ele fez como disse que faria. Saiu do quarto e deixou-me sozinha. Em cima de uma cadeira estava uma muda de roupa impecavelmente dobrada que, julguei, seria para mim. Outra blusa e outros calções, roupa masculina, roupa dele ou de Jan ou de Enzo. Estava ótimo para mim.
Encontrei-me com Jean-Marie numa sala de refeições deserta. Olhei para todos os lados, atarantada. Ele chamou-me com um aceno, afastando uma cadeira com o mesmo braço para que me sentasse. Obedeci.
– Onde estão todos? – perguntei.
– Já seguiram para o treino. Regressam no início da tarde. Pedi panquecas. Gostas de panquecas?
– E tu... não foste ao treino?
– Não, Tina. Estou doente, de acordo com o departamento médico. – Serviu-me uma chávena de café preto.
– Eu ouvi... o que Jan disse – admiti cabisbaixa, enfiando as mãos entre as coxas. Um calafrio arrefeceu-me e os meus ombros tremeram. Estava novamente à beira das lágrimas.
Jean-Marie ficou tão calado que me obrigou a levantar a cabeça. Observava-me, o queixo apoiado na mão, com uma expressão neutra que, por detrás, escondia uma ligeira irritação. Os seus olhos azuis estavam baços. Mordi os lábios, incomodada com o seu silêncio. Remexi-me na cadeira. Soltei as mãos e pousei-as na mesa, uma de cada lado da chávena.
– Cristina... o que aconteceu ontem diz respeito a mim, ao Renquin e à federação belga de futebol – disse, sério. – Tu estás envolvida, é certo; aliás, foste envolvida e sem teres qualquer culpa ou teres provocado esse envolvimento. Foi uma maldade. Agora... não quero que fiques nesse estado, como se tu fosses o grande e único motivo para o que aconteceu. Apenas foste utilizada como arma contra mim. O Renquin podia ter escolhido outras armas, tu estavas mais a jeito, foi isso. Compreendes? Limpa as lágrimas, anima-te, põe um sorriso na cara e vamos fazer deste dia, ou pelo menos, desta manhã o melhor que conseguirmos. Combinado?
– Sim, Jean-Marie – concordei, mas sem estar muito convencida de não ser responsável por aquilo que estava a acontecer. Se ele não jogasse no próximo sábado, eu tinha a sensação de que iria morrer por dentro.
– Eu trato deste assunto e acredita, está a ser tratado. Confias em mim?
– Sim, confio.
– Olha, as panquecas vêm aí! Ih, têm um aspeto excelente. Maravilha!
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Sonho de Verão
Ficção HistóricaEste é o meu diário secreto de uma viagem inesquecível que fiz ao México, no longínquo ano de 1986. Acompanhava a minha tia para ajudá-la nos seus estudos sobre os aztecas, acabei dentro de uma aventura totalmente diferente. Esses dias ficaram para...