"Miga, vou tomar café e meu pai vai me levar, tá?" foi a notificação que desceu na tela do celular de Camilla, às 8h30 daquele domingo ensolarado. Mel precisava do notebook para trabalhar, estudar, se entreter e o havia esquecido — talvez por culpa de Pandora — em cima da cama.
Camilla já estava acordada, mas ainda enrolava, de preguiça, na cama. Respondeu a amiga e deixou o celular carregando na escrivaninha do quarto, já que havia esquecido de plugá-lo na tomada na noite anterior. Como ainda tinha uns bons quarenta minutos até que a amiga chegasse, foi para a cozinha fazer um café.
Murilo já jogava videogame na sala, sentado de pernas cruzadas no chão e com as costas apoiadas no sofá. Uma gata siamesa dormindo esparramada em suas pernas. A namorada se abaixou para dar um beijo de bom dia.
— Bom dia, lindo! Já comeu alguma coisa? — ela quis saber enquanto ia em direção à cozinha.
— Comi umas torradinhas com requeijão. Mas já tem umas 2 horas... — Murilo respondeu meio no automático, depois do beijo já tinha retomado a atenção de volta para o jogo.
— O quê aconteceu contigo? Caiu da cama, foi? — Camilla riu no cômodo ao lado.
— Acordei pra ir ao banheiro e não consegui dormir de novo. Em pleno domingo... aff! — Murilo resmungou. — Que tal se você fizer queijo-quente pra gente? — Ele perguntou.
— Que tal se você levantar essa sua bundinha linda e fizer você mesmo? — Ela respondeu, em tom debochado.
— É, Pandora... já deu minha hora. — Ele sabia que a alfinetada da namorada tinha mais do que um fundinho de verdade, então desligou o videogame, colocou o controle na mesinha de centro. Tirou Pandora do colo, deitou-a gentilmente no sofá e foi até a cozinha.
Chegando por trás de Camilla, que neste momento lavava a louça, a abraçou, aninhando o rosto entre o pescoço e o ombro da namorada, que era mais de vinte centímetros mais baixa que ele.
— Você quer queijo-quente, minha princesa? — Ele perguntou baixinho, em redenção.
— Eu adoraria, amor meu. — Ela riu.
Murilo pegou o pão, o queijo e a manteiga e começou a preparar tudo na bancada da pia ao lado dela.
Pandora serpenteou por entre suas pernas, roçando em sua pele.
— Você já colocou comida pra ela? — Camilla perguntou.
— Coloquei um pouco, mas de manhã cedinho.
Camilla colocou o último prato no escorredor, secou as mãos e pegou o pote de ração. O barulhinho que surgiu com o balançar do pote no trajeto até a sala foi o suficiente para que a gata começasse a miar de forma animada.
A chaleira apitou no fogão, ela voltou para a cozinha e pousou a ração de gato de novo na prateleira em cima da pia. Jogou a água quente no pó de café no coador. Murilo colocou os sanduíches já prontos em pratos rasos e foi para a sala. Deu play em um episódio de Friends, enquanto Camilla chegava com sua xícara fulminante de líquido escuro.
Comeram, deram risada, se distraíram e quando deram por si mesmos, estavam se agarrando loucamente e transando no sofá. O episódio da série estava pausado, com um aviso na tela perguntando se ainda tinha alguém assistindo ao programa. Pandora, indiferente, dormia em sua casinha num canto da sala.
Estavam quase chegando, juntos, ao fim da diversão; os gemidos crescendo, tão empenhados que não ouviram o barulho do elevador abrindo no corredor do nono andar. Nem o leve tilintar das chaves na fechadura. Muito menos a maçaneta girando e a porta do apartamento se abrindo.
Mel puxou tanto ar ao ver a cena que felizmente não ouviu o suspiro do gozo de Murilo vindo à tona. Aconteceu tudo tão rápido que em menos de dois segundos, Melissa já havia fechado a porta num estardalhaço e Camilla já havia levantado do colo do namorado, correndo para pegar os roupões de banho atrás da porta do seu quarto.
Vestiu o seu, voltou para a sala, atirou um roupão para Murilo e, ao abrir a porta do apartamento, viu Mel sentada na escada do prédio, os cotovelos apoiados nos joelhos, o rosto enterrado nas mãos.
— Oi... — Disse, baixinho, tentando pensar em um momento em que tivesse se sentido mais envergonhada do que agora.
— Porra, Milla, sério que aconteceu isso mesmo? — a voz de Mel surgindo ao seu lado, sem que ela ousasse mover um músculo do corpo.
— Não sei o que te dizer, amiga... me perdoa. — Camilla não sabia o que fazer com as mãos, nem com o corpo, nem como mover os pés, nem se sentava ao lado da amiga na escada ou se continuava ali, em pé, nua por baixo do roupão, no corredor do prédio.
— Só pega o meu notebook, por favor. Depois a gente conversa. — Mel implorou.
Camilla não sabia se era muito ruim ou muito bom não encarar os olhos da amiga naquele momento. Só queria que ele acabasse e que elas fingissem que nunca tinha acontecido.
Deu meia volta, abriu a porta do apartamento, foi até o quarto da amiga, pegou o notebook nas mãos. De volta ao corredor, pousou a mão, insegura, no ombro dela, como se não soubesse mais como encostar em seu corpo, como se não tivessem se visto nuas uma infinidade de vezes, como se não andassem de lingerie pela casa, como se não compartilhassem um único banheiro todos os dias de suas vidas por dezenas de meses.
Ela levantou a cabeça sem levantar o olhar, pegou o notebook, foi até o elevador, que abriu ao apertar o botão. Entrou nele de cabeça baixa e não olhou para trás.
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Um romance em construção
Chick-LitMurilo e Camilla se conheceram em uma festa infantil em que tudo deu errado: ela trabalhando como fotógrafa instantânea, ele um convidado desengonçado que não conseguia tirar os olhos dela. Começaram a namorar há pouco tempo e vão aproveitar a quare...