06.

67 17 1
                                    

O resumo da minha madrugada foi eu revoltada com Deus e meus pensamentos que deixavam meus olhos cheios de água e meu peito cheio por uma raiva desconhecida. Não sei se era uma coisa de um coração que um cardiologista poderia curar.

Minha mãe foi ver minha avó junto a família. Era oficialmente dia 10 de junho de 2017. Madrugada fria, chuvosa e dessa vez melancólica. Era 02h34 da manhã, o hospital parecia uma realidade alternativa quando ficava quase deserto. Dante estava no meu colo, fazendo companhia, já que com minha idade não podia entrar para ver o paciente internado e meus primos não estavam presentes. O meu pai ficou com o restante que 'não fazia parte da família', vamos dizer, meu irmão entrou com minha mãe e Ayla não pode comparecer.

Dante era uma criança quieta. Preferia dividir o fone com ele do que conversar - ele nem sequer gostava de conversar. Acho que por isso gostava de mim: eu não exigia palavras, apenas sua companhia. Para uma criança deveria parecer tudo muito confuso, até para mim. Me senti como Dante: uma criança confusa. Ele questionava algumas coisas, como se não tivesse noção do que era morte, medo, esperança e vida.

Tentei dedicar toda minha paciência a Dante. Era difícil sentir calma em uma situação dessas, principalmente sabendo o quão boa a pessoa que está passando por ela é, como não era justo. Se essa coisa era Deus quem decidia e fazia, eu queria extravasar minha raiva com ele. Parecia que não tinha dado o devido reconhecimento por todas as coisas que minha avó já disse e fez por sua fé tão genuína e bonita.

Minha avó que me ensinou a orar, me ensinou a amar a vida e as coisas, me ensinou a ser eu. Ela me contava histórias de sua adolescência e as denominava como milagres. Só que agora não tinha segredo, nem milagres, apenas uma dor da dúvida e raiva.

- Quer um café? - meu pai perguntou, tirando uma moeda do bolso e sorriu pequeno. Tentei sorrir de volta. Eu odiava café mas café de máquinas de hospitais eram diferentes.

Quando caminhamos pelo corredor, Dante entrelaçou seus dedos com os meus. Sua palma era delicada, fria e pequena.

- Avisou Victor do ocorrido?

- Ainda não.

- Você pretende avisá-lo?

- Na hora certa.

Meu pai entendeu o significado de hora certa e odiou tanto quanto eu o sentido dessa frase. Ele pegou o copo em silêncio, colocou a moeda e deixou que eu observasse a máquina fazendo seu trabalho.

- Morgana, eu quero que saiba que você é uma mulher forte e em momentos como esse temos que segurar o desabamento de sua mãe, tudo bem? Nós a amamos e precisamos ajudá-la com isso.

- Pai, por que esse tipo de coisa acontece com pessoas que deveriam ficar tanto tempo aqui?

Meu pai abriu um sorriso triste.

- Meu amor, eu não sei dizer, as únicas coisas que consigo te dizer com toda certeza do mundo são coisas daqui - ele colocou o indicador no meu coração, centímetros distantes para não tocar no meu peito - E, mesmo assim, o que sei é tudo possível de se ver. Existem dores que são impossíveis de serem vistas, Morgana. Não existe essa coisa de as pessoas precisarem ficar mais ou menos tempo aqui, elas só se vão e...

- Partem nossos corações. - completei, o que sabia que não era o que ele queria dizer, mas era o que eu entendia.

Então era isso que eu tinha aos dezesseis anos: uma revolta dentro de mim, uma esperança, uma dor, uma dúvida e estava entorpecida por todas essas emoções. Achava que os dezesseis traziam dores, só nunca imaginei tantas de uma vez só.

Acho que entendi o paciente do meu pai que foi procurar como remendar o coração.

E não é para fazer sentido. Where stories live. Discover now