Ayla foi embora às 23h00. Dante, antes de se despedir, disse a maior frase de todo aquele dia:
— Tia Mor, vai ficar tudo bem, vovó vai te fazer ficar feliz.
"Vovó vai te fazer feliz." Achei irônico considerando que atualmente ela me deixava mais triste do que feliz.
Minha mãe chegou em casa e adormeceu rápido após cumprimentar Victor e dizer que ficaria de olho em nós. Meu pai e Victor ficaram falando um tempo na cozinha sobre coisas mais... hum... não entendendo nada de automóveis para classificar.
Por volta das 02h30 todos estavam dormindo, com exceção a Victor e eu. Ficamos na sala com apenas a luz da TV iluminando nossos rostos. Eu sabia que não estávamos de fato prestando atenção no romance água com açúcar que passava, nossas mentes estavam em outros lugares distantes daquela sala. Minha mente estava no hospital e, bem, Victor deixava explícito que a dele estava em mim.
— Pare de ficar me encarando, é esquisito — falei. — Não estou bem, mas isso não quer dizer que vou morrer.
— Não acho que você vá morrer.
— Então por que me encara como se eu fosse? — Virei o rosto para encará-lo. Ele estava no outro sofá e seus olhos não saiam de mim.
— Não quero que você se afaste, só isso.
— Por quê?
— Se afastar é ruim.
— Às vezes precisamos respeitar o tempo do outro, sabia? Se eu me afastar de você, significa que algo não está certo.
— Significa que alguma coisa não está certa com você, Morgana, não com a gente. Você desrespeita muito sentimentos negativos e eu sou profissional neles, deixe-me te ensinar uma coisinha: quando você se afasta das pessoas que ama achando que seu problema vai magicamente sumir você só perde mais e mais pessoas enquanto faz justamente o que o problema pede. Lidar com luto não é uma tarefa, obrigação ou responsabilidade. Lidar com luto é uma coisa do tempo. Adivinha só? Você vai precisar depender do tempo, não ele de você. As pessoas em sua volta vão servir como frequente lembrete de que você vai perdê-las também um dia, porém vai servir também como seu apoio, como lembrança de que você nunca vai estar só. Não ame as pessoas com o medo do fim, ame como se não tivesse um, sabe?
— Eu... eu tenho pensando em algumas coisas horríveis.
— Como o quê?
— Não sei se quero que ela esteja morta para descansar ou acorde para ficar conosco e cheia de sequelas.
— Se serve de consolo, pensei o mesmo.
— Eu não quero que ela morra, Victor.
— Eu também não, Morgana.
Ficamos em silêncio nos encarando por um bom tempo. Às vezes o silêncio fazia algum sentido, ele dava respostas inacreditáveis. Naquele momento ele me deu o conforto e todo amor que Victor não expressava mas sentia, ele sentia como ninguém. O silêncio era confortável, como se mesmo separados por sofás estivéssemos nos abraçando e de alguma forma dizendo alguma coisa que só ficaria entre nós, nem sequer o mundo poderia conseguir decifrar.
E era tão bom enganar o mundo.
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E não é para fazer sentido.
Novela JuvenilDois melhores amigos precisam lidar com seus corações que foram partidos de jeitos diferentes e ver sentido em suas vidas. Ao decorrer dessa história, eles passarão por conflitos internos, familiares, da adolescência e do luto, assim, entendendo que...