De acordo com a ciência, saímos da água e nosso corpo é 70% feito dela. Somos, basicamente, água. Sabe o que ser água significa? Significa que somos iguais ao oceano, por exemplo, ou a chuva que cai no fim de um verão. O ser humano não conhece cerca de 90% do oceano e dias chuvosos vêm de nuvens que são pura água que se desfazem em poças. O que quero dizer é: se somos feitos de água, podemos não conhecer 90% de nós mesmos a vida toda, podemos descobrir coisas e, na medida em que ficamos surpresos e fascinados, sentimos medo do desconhecido. Podemos ser, assim como nuvens, águas que se sobrecarregam e às vezes precisa chover para não acumular. Como o céu, existem dias que vão chuviscar e, bem, outros vão ser uma tempestade capaz de destruir toda uma cidade. Temos ondas também, temos animais misteriosos dentro da nossa própria mente e uma parte tão escura que a luz do Sol não consegue alcançar. Talvez não fôssemos o universo, que temos mais um pouco de conhecimento. Talvez fôssemos oceano, que está ali, é um mistério, vão existir áreas que são impossíveis de alcançar e eu sinto muito, ciência.
No fim muita coisa de nossas vidas não faz muito sentido, talvez faça, só que isso é mais uma "opinião pessoal". Na verdade a vida não tem um sentido, nós quem damos sentido a ela, por isso o ato de viver é de cada um, uma opinião pessoal. Na minha opinião, por exemplo, não fazia sentido eu denominar o ato de viver em alguém e esse alguém estar morrendo. Não fazia sentido sentir tanta dor e ainda chamamos aquilo de "viver". Não fazia sentido o apego em coisas efêmeras. Não fazia sentido e eu não sabia se era para ter um ou eu quem precisava procurá-lo.
Mas uma coisa eu sabia muito bem e fazia sentido: Ayla era uma ótima mãe e pessoa.
Em todo momento que passei com ela percebi o quão atenciosa, educada e gentil era. Dante conversava vez ou outra, soltava algumas palavras e não falava muito. Ayla disse que ele tinha uma dificuldade e precisava ir ao especialista para incentivá-lo a socializar mais.
Ela cozinhou, limpamos a casa juntas e a chuva cobria toda cidade como um cobertor.
— Você gosta de tempos chuvosos, Morgana?
— Sim, são meus favoritos. Hoje, especialmente, não muito.
— Entendo. Minha mãe dizia que a chuva era tão boa quanto o Sol. Significa que o mundo fica em silêncio para escutar as nuvens desabarem depois de tanto tempo suportando suas águas.
Nunca trocamos mais que umas palavras educadas e agora ela estava falando de sua falecida mãe. Talvez ela quisesse me preparar para o pior? Isso me irritou um pouco.
— Sua mãe parecia incrível, Ayla.
— Ela era...
— Você se lembra? Deles?
— Ah, muito, bastante. Meus pais eram pessoas incríveis.
Ela sorriu e foi o sorriso mais triste entre todos os sorrisos gentis que ela distribuía.
Aquela foi a primeira vez que de fato olhei para Ayla e percebi que havia um oceano dentro dela. Talvez ela soubesse sobre vários cantos dele e talvez sentisse muito medo de alguns específicos — por isso, preferia não ver. A partir do momento que escolhemos não ver algumas coisas elas podem vir mais tarde de modo inesperado e pior. Preferimos não ter conhecimento e sermos pegos de surpresa ou sabermos o que fazer? Se for assim que a vida funciona, por que parece que nunca temos uma opção a não ser a surpresa?
Naquele mesmo dia Victor apareceu na porta com o cabelo desgrenhado, mochila em uma mão e skate na outra.
— Você não respondeu minhas mensagens e nem ligações, fiquei preocupado.
— Desculpa, desliguei o celular e fiquei com Ayla e Dante.
— Dante está?
— Sim.
— O que aconteceu com sua avó?
— Ela está em coma, entre a vida e a morte.
Falei tão simples que me senti ridícula quando me escutei.
— Morgana, eu sinto muito...
— Quer entrar? — o interrompi.
Os consolos de Victor me traziam sempre a sensação de choro. Ele quase nunca usava as palavras e quando as usava tinha intensidade e verdade. Eu não queria chorar na frente dele.
— Claro.
Victor entrou e colocou o skate ao lado da porta, mochila no sofá, se virou e perguntou:
— Onde posso trocar de roupa?
O encarei um pouco perdida.
— Vai... trocar de roupa?
— Sim, trouxe roupas.
— Trouxe... roupas?
— Vou dormir aqui com a permissão da sua mãe — ele sorriu sem mostrar os dentes. — Ela me disse mais ou menos o que tá acontecendo e deixou eu dormir aqui, contando que seja no sofá!
Encarei Victor como se aquilo não fosse real.
— Você não...
— Eu fiz. — ele se aproximou com uma peça de roupa em mãos e uma toalha no ombro. Colocou a mão no meu ombro e disse: — Morgana, existem horas que a gente meio que precisa de alguém. Não é errado ter ajuda em momentos difíceis.
— Você nunca me pediu ajuda quando teve momentos difíceis, achei que fosse recíproco — rebati.
Ele pacientemente beijou o topo da minha cabeça.
— Não vou discutir com você.
Me senti uma estúpida enquanto ele caminhava para cumprimentar Dante e Ayla antes de ir tomar banho.
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E não é para fazer sentido.
Teen FictionDois melhores amigos precisam lidar com seus corações que foram partidos de jeitos diferentes e ver sentido em suas vidas. Ao decorrer dessa história, eles passarão por conflitos internos, familiares, da adolescência e do luto, assim, entendendo que...