08.

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De acordo com a ciência, saímos da água e nosso corpo é 70% feito dela. Somos, basicamente, água. Sabe o que ser água significa? Significa que somos iguais ao oceano, por exemplo, ou a chuva que cai no fim de um verão. O ser humano não conhece cerca de 90% do oceano e dias chuvosos vêm de nuvens que são pura água que se desfazem em poças. O que quero dizer é: se somos feitos de água, podemos não conhecer 90% de nós mesmos a vida toda, podemos descobrir coisas e, na medida em que ficamos surpresos e fascinados, sentimos medo do desconhecido. Podemos ser, assim como nuvens, águas que se sobrecarregam e às vezes precisa chover para não acumular. Como o céu, existem dias que vão chuviscar e, bem, outros vão ser uma tempestade capaz de destruir toda uma cidade. Temos ondas também, temos animais misteriosos dentro da nossa própria mente e uma parte tão escura que a luz do Sol não consegue alcançar. Talvez não fôssemos o universo, que temos mais um pouco de conhecimento. Talvez fôssemos oceano, que está ali, é um mistério, vão existir áreas que são impossíveis de alcançar e eu sinto muito, ciência.

No fim muita coisa de nossas vidas não faz muito sentido, talvez faça, só que isso é mais uma "opinião pessoal". Na verdade a vida não tem um sentido, nós quem damos sentido a ela, por isso o ato de viver é de cada um, uma opinião pessoal. Na minha opinião, por exemplo, não fazia sentido eu denominar o ato de viver em alguém e esse alguém estar morrendo. Não fazia sentido sentir tanta dor e ainda chamamos aquilo de "viver". Não fazia sentido o apego em coisas efêmeras. Não fazia sentido e eu não sabia se era para ter um ou eu quem precisava procurá-lo.

Mas uma coisa eu sabia muito bem e fazia sentido: Ayla era uma ótima mãe e pessoa.

Em todo momento que passei com ela percebi o quão atenciosa, educada e gentil era. Dante conversava vez ou outra, soltava algumas palavras e não falava muito. Ayla disse que ele tinha uma dificuldade e precisava ir ao especialista para incentivá-lo a socializar mais.

Ela cozinhou, limpamos a casa juntas e a chuva cobria toda cidade como um cobertor.

— Você gosta de tempos chuvosos, Morgana?

— Sim, são meus favoritos. Hoje, especialmente, não muito.

— Entendo. Minha mãe dizia que a chuva era tão boa quanto o Sol. Significa que o mundo fica em silêncio para escutar as nuvens desabarem depois de tanto tempo suportando suas águas.

Nunca trocamos mais que umas palavras educadas e agora ela estava falando de sua falecida mãe. Talvez ela quisesse me preparar para o pior? Isso me irritou um pouco.

— Sua mãe parecia incrível, Ayla.

— Ela era...

— Você se lembra? Deles?

— Ah, muito, bastante. Meus pais eram pessoas incríveis.

Ela sorriu e foi o sorriso mais triste entre todos os sorrisos gentis que ela distribuía.

Aquela foi a primeira vez que de fato olhei para Ayla e percebi que havia um oceano dentro dela. Talvez ela soubesse sobre vários cantos dele e talvez sentisse muito medo de alguns específicos — por isso, preferia não ver. A partir do momento que escolhemos não ver algumas coisas elas podem vir mais tarde de modo inesperado e pior. Preferimos não ter conhecimento e sermos pegos de surpresa ou sabermos o que fazer? Se for assim que a vida funciona, por que parece que nunca temos uma opção a não ser a surpresa?

Naquele mesmo dia Victor apareceu na porta com o cabelo desgrenhado, mochila em uma mão e skate na outra.

— Você não respondeu minhas mensagens e nem ligações, fiquei preocupado.

— Desculpa, desliguei o celular e fiquei com Ayla e Dante.

— Dante está?

— Sim.

— O que aconteceu com sua avó?

— Ela está em coma, entre a vida e a morte.

Falei tão simples que me senti ridícula quando me escutei.

— Morgana, eu sinto muito...

— Quer entrar? — o interrompi.

Os consolos de Victor me traziam sempre a sensação de choro. Ele quase nunca usava as palavras e quando as usava tinha intensidade e verdade. Eu não queria chorar na frente dele.

— Claro.

Victor entrou e colocou o skate ao lado da porta, mochila no sofá, se virou e perguntou:

— Onde posso trocar de roupa?

O encarei um pouco perdida.

— Vai... trocar de roupa?

— Sim, trouxe roupas.

— Trouxe... roupas?

— Vou dormir aqui com a permissão da sua mãe — ele sorriu sem mostrar os dentes. — Ela me disse mais ou menos o que tá acontecendo e deixou eu dormir aqui, contando que seja no sofá!

Encarei Victor como se aquilo não fosse real.

— Você não...

— Eu fiz. — ele se aproximou com uma peça de roupa em mãos e uma toalha no ombro. Colocou a mão no meu ombro e disse: — Morgana, existem horas que a gente meio que precisa de alguém. Não é errado ter ajuda em momentos difíceis.

— Você nunca me pediu ajuda quando teve momentos difíceis, achei que fosse recíproco — rebati.

Ele pacientemente beijou o topo da minha cabeça.

— Não vou discutir com você.

Me senti uma estúpida enquanto ele caminhava para cumprimentar Dante e Ayla antes de ir tomar banho.

E não é para fazer sentido. Where stories live. Discover now