Mel, girassóis e Sol.
Victor me julgou assim depois que viu minha galeria.
Estávamos sentados no sofá da casa de Victor. Ele, com a cabeça no meu peito, olhando minhas redes sociais. Eu o observava. Tínhamos essa mania de pegar o celular um do outro e ver o que estava acontecendo.
A casa de Victor estava vazia na maior parte do tempo, privilégio de filho único com mãe solteira, ele dizia, encobrindo todos os problemas que a situação que se encontrava trazia.
Era manhã de um sábado frio e ensolarado. Dia 10 de Junho de 2017 apareceu no relógio da sala de Victor.
— Essa aqui tá muito mel, tá vendo? Seu Instagram é basicamente uma paleta de cores amarelas. Amarelo não é sua cor favorita, é?
— Não, não é.
— Suas fotos são do Sol, da piscina, do jardim, dos pincéis, do seu diário com seus desenhos ridículos de perfeitos, da sua boina amarela, do quão estilosa você é e também o quão saudável, quem faz tantas atividades físicas?
— Há. Você fala isso mas o seu celular é repleto de drogas, nudez, sexo, apologia a suicídio, skate, sua cara perfeita e mais apologia a suicídio. Sério, já procurou um psicólogo?
Ele riu.
— Eu não faço apologia a suicídio. Os artistas que gosto que fazem. Eu tenho culpa?
Concordamos que eu era mel, girassóis e Sol. Victor era Galáxia, que é uma das coisas que ele tem um fascínio e com certeza mais conhecimento entre nós dois, coisas não saudáveis, uma paleta terra e dias tristes chuvosos. Apesar de tudo eu não ousava julgá-lo, ele continuava sendo esperto mesmo que não fizesse esforço algum.
Até que uma notificação fez a tela brilhar e o celular de Victor vibrar na mesinha de centro da sala.
— Quem é?
Ele pegou o aparelho com a preguiça de que não queria sair do conforto do meu peito. Visualizou a tela e fez careta.
— Amanda. — disse, como se estivesse anunciando um produto novo no supermercado.
— Amanda?
— É, Amanda, uma garota.
— Amanda, uma garota — repeti, como se fizesse sentido.
— Ciúmes?
— De Amanda? Amanda não está com você agora. Afinal, quem é Amanda?
Ele soltou uma gargalhada e deixou o celular na mesinha de volta.
— Alguém que eu não vou responder.
— Discutindo? Não me diga que é mais uma das suas garotas.
— Ei, não tenho garotas. Só sou um adolescente que conhece muita gente.
— Adolescente que conhece muita gente — repeti no exato e mesmo tom que Victor usou.
— Pare de repetir minhas falas.
— Parei.
— Que tal você ligar para seu melhor amigo Kevin? Pergunte como ele está depois de eu encher a cara dele de socos.
— Eu te odeio.
— Não odeia.
— Eu não odeio.
E risadas preenchiam toda aquela casa vazia.
Victor dava significado para tudo e todas as coisas, uma delas era sua casa vazia. Ele dizia que ele e a casa tinham semelhanças: eram bonitos, organizados, vazios e cheios de conflitos por dentro. Ele não falava sério, nunca que você vai ver Victor Aclivia falando sério. Você vai vê-lo sendo sincero com frequência, isso é uma certeza, mesmo que ele seja quem inventou e me apresentou a palavra "sarcasmo".
Os sábados eram os melhores dias da semana para nós, afinal era nosso dia. Gostávamos de ir na casa um do outro e passar o dia dando essa atenção exclusiva para nós. Planejávamos uma sequência de filmes, livros para ler deitados na varanda de nossas casas, jogos que Victor orava aos céus para não perder a paciência comigo e comidas que nunca faríamos, mas com a companhia um do outro tudo era possível.
E quando os sábados acabavam a sensação melancólica invadia nossas mentes. Sempre quando chegava em casa, já exausta e suja com algum ingrediente, pegava meu celular e lá estava:
Meu garoto 💛: MORGANA
Meu garoto 💛: VOCÊ TAMBÉM SENTE ESSA SENSAÇÃO ESTRANHA? ESSE VAZIO?
Meu garoto 💛: tô depressivo isso é pior do que bater uma e ficar triste depois, meu deus
Meu garoto 💛: por que existimos? quem somos nós? qual sentido de viver um sábado com você mas não poder viver uma vida inteira todos os dias e horas ao seu lado?
Eu: você é um dramático
Eu: fofo e dramático
Eu: eu também sinto esse vazio existencial 😭 (mas não tem nada com bater uma e sua puberdade e hormônios)
Eu: queria poder passar a noite aí
Eu: mas sabe como minha mãe é: sem anticoncepcional e camisinha, sem ir na casa do melhor amigo
Meu garoto 💛: posso falar que odeio pessoas, espécie nojenta, tia
Eu: Victor, pelas diversas garotas que você já teve vai enganar quem?
Meu garoto 💛: shhhhhhhh odeio pessoas mas seus corpos são legais
Eu: machista
Meu garoto 💛: você é tão idiota. vá dormir logo, amanhã é o pior dia da semana, boa sorte 🍀O pior dia da semana eram os domingos. Não podíamos nos ver aos domingos, era coisa de família. Sábado dia do Victor e Morgana, domingo dia da família. Não era tão ruim quanto parece se não fosse pela parte de Victor, que vê como um grande pesadelo ficar um dia todo com sua mãe complicada. Eu não entendia sua mãe tanto quanto o próprio filho, ela sempre foi agradável e legal quando eu estava lá todos esses anos e em diversas situações ofereceu apoio. Só tem alguma coisa que não deixa Victor grato. Acho que Victor não a perdoa por causa do pai, que foi expulso pela própria esposa quando Victor ainda era uma criança. Ele e o pai tinham um vínculo forte, eu não o conhecia na época, mas pelas fotos que ele esconde no quarto (caso sua mãe veja, ela vai pegá-las e rasgá-las) parecia ser o seu herói que tanto admirava. Nunca falávamos do pai de Victor, parecia uma regra.
Regras. Victor odiava elas e se gostava era para quebrá-las. Inconscientemente nossa amizade tinha algumas regras, ele nem sequer se dava conta delas mas as respeitava. Uma delas era não falar do seu pai. São algumas regras silenciosas que não precisam ser ditas em uma amizade. Às vezes a falácia era superestimada comparada com o ato de agir através do silêncio.
Existiam exceções de domingos, quando Victor não se sentia bem e me ligava de noite. Não importava quanto tempo durava e nem a aula do outro dia. O fato era: estar com ele era natural e real, fazíamos para o bem um do outro. Esses diálogos, risadas trocadas, total conhecimento sobre o outro, regras silenciosas e crescer juntos.
Quando acordei no domingo do dia 8 de junho de 2017 o Sol estava escondido entre nuvens carregadas e acinzentadas. Clima perfeito, eu amava chuva. Mandei foto do céu para Victor e ele me respondeu como se estivesse em cima do celular no exato momento:
Meu garoto 💛: ele tá lindo
Meu garoto 💛: não tô na cidade. queria ir de skate correndo pra sua casa, você sairia escondida e a gente tomava banho de chuva 😣
Eu: onde se meteu?
Eu: espero ansiosamente por esse dia. universo, você sabe o que fazer essa semana, chova
Meu garoto 💛: infelizmente almoço de família hoje
Eu: oh... sinto muito. boa sorte. hoje vamos ficar em casa e meu irmão vai vir com a namorada, meu sobrinho e minha avó 😛
Meu garoto 💛: às vezes esqueço que você é uma velha com família feita e sobrinhos
Eu: kkkkkkkk idiota, beijo
Eu: tente não fugir dessa vez
Eu: me ligue se alguém tentar se matar por aí ou se você mesmo ser a pessoa que vai matar alguém
Meu garoto 💛: claro, beijo, manda beijo pro meu filho (dante)Desliguei o celular e decidi acordar.
Domingos sem Victor. Isso era triste.
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E não é para fazer sentido.
Fiksi RemajaDois melhores amigos precisam lidar com seus corações que foram partidos de jeitos diferentes e ver sentido em suas vidas. Ao decorrer dessa história, eles passarão por conflitos internos, familiares, da adolescência e do luto, assim, entendendo que...