Capítulo 6

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Esse capítulo pode conter gatilhos de violência doméstica.

E por favor, comentem. É desanimador escrever com a sensação de que ninguém está lendo ou gostando. Um feedback dos leitores me ajuda a entender o que vcs estão achando dos personagens e da história, além de me incentivar a continuar escrevendo.

Sexta-Feira 21:55

Atravessamos a barreira de arbustos que delimitavam o lote com a calçada e corremos pelas ruas mal iluminadas. Noah ria, gargalhava de toda aquela situação, enquanto eu o acompanhava segurando sua mão. Hora ou outra olhando para trás, verificando se ainda éramos seguidos.

— Acho que nos perderam de vista – Disse ofegante e viramos outra esquina até uma rua principal.

— Até que foi divertido – Assinalou com as mãos na cintura e um sorriso quase sádico no rosto.
— Não tem nada de divertido nisso! – Me curvei apoiando as mãos nos joelhos – Pensei que não fugisse de uma boa briga...
— Eram cinco contra um. Eu posso ser meio briguento, mas não sou burro! – Suspirou exausto.
Comecei a rir até gargalhar, ri o bastante para sentir minha barriga doer e buscar por ar.
— Mas que merda eu tô fazendo aqui com você? Meus amigos estão todos naquela festa – Suspirei – E eu tô aqui me escondendo do Mason. Eu nem sei porque eu segurei sua mão. Se as garotas sonharem com uma coisa dessas...
— Pode voltar pra sua festa princesa. Eu nunca te obriguei a me acompanhar, muito menos segurar minha mão – Deu de ombros e passou a mão nos cabelos os penteando para trás – Eu nem sei porque ainda insiste em falar comigo se seus amigos não aprovam – Levantou as sobrancelhas – É só voltar Lenan, eu fico bem sozinho! – Levantou a mão e fez um “tchau”.
— Tá, eu volto pra festa – Mordi minha bochecha e dei de ombros fingindo não me importar.
Mas eu me importava até demais.
— Te vejo amanhã e fazemos o trabalho de História!
— Certo! – Girei sobre os calcanhares – Eu vou indo. Se eu avistar os garotos, não vou dizer nada sobre você.
— Valeu! – Acenou com a cabeça e ficou ali parado me observando partir.
Caminhei alguns metros pela rua escura quando notei que ainda vestia sua jaqueta e Noah não havia a pedido de volta.
E honestamente talvez eu não quisesse tanto assim voltar à festa.
Dei meia volta sem pensar muito no que viria à acontecer ou nas consequências de minhas escolhas.
— Você esqueceu sua jaqueta comigo!
Gritei para o garoto que caminhava com um novo cigarro entre os dedos.
Noah virou-se para trás com um ar de surpresa no rosto.
Retirei sua jaqueta e corri alguns metros até alcançá-lo, dando graças pelo saltou de minhas botas ser grosso o suficiente para não quebrar meus pés e estendi a peça de roupa em sua direção.
— Pode ficar, me devolve amanhã – Tragou o cigarro e exalou a fumaça para o lado.
— Tem certeza?
Acenou que sim. O rosto sério.
— Combina com você. Te deixa gostosa!
— O que? – Indaguei espantada com sua observação.
— Não precisa fingir que não sabe que é gostosa. É pior, a falsa modéstia. Seja quem você sabe que é!
— E eu sou gostosa, principalmente com sua jaqueta?
— Te deixa com um ar de garota má, é sexy!
O fitei admirando sua sinceridade e arqueei as sobrancelhas, com a língua entredentes.
— Me acha sexy? – Provoquei.
— Eu te acho muitas coisas Lenan – Deu um sorriso maldoso aproximando-se mais de mim e senti o coração acelerar o suficiente para o sentir na garganta.
— Está apaixonado por mim? – Fingi desinteresse.
Noah riu. Gargalhou para ser precisa.
— Tá realmente achando que o mundo gira ao seu redor né? Surpresa! – Cantarolou – Não tá! Eu não te desprezo porque você não me despreza, é justo. Apenas isso. Eu te achar gostosa, não significa que quero te comer! – Tragou o cigarro.
O observei sem palavras. O que eu poderia dizer para parecer menos embaraçoso?
— Acho melhor eu voltar à festa! – Apertei os dedos das mãos.
— Eu ia procurar algo pra comer, pode me acompanhar se quiser. Com ênfase no “se quiser”!
— Bom... Minhas amigas devem estar bem ocupadas na festa... Acho que nem vão sentir minha falta – Disse em voz alta tentando convencer a mim mesma.
— Você vem? – Observou-me com o cigarro no canto da boca.
Assenti com um aceno e caminhei ao seu lado.
— Pode não fumar tão perto de mim? – Pedi sufocada pelo forte odor de nicotina.
— Já está me dando ordens? Nosso relacionamento está indo rápido demais não acha? Nem demos nosso primeiro beijo ainda. Melhor irmos com calma...
— Foi só um pedido, não uma ordem. Pode se matar com essa merda se quiser! – Retruquei irritada.
Noah deu alguns passos à frente e parou diante de mim. Jogou o cigarro no chão e o amassou com o pé, me olhando fixamente.
— Feliz agora?
— Jogou lixo no chão...
— Puta merda, você consegue ser realmente implicante!
— Dá licença!
O empurrei para o lado e me abaixei pegando o resto do seu cigarro com a ponta dos dedos e procurei uma lixeira próxima para descartá-lo.
Noah soltou um suspiro misturado à uma risada e balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Você é incrível Lenan – Sorriu e eu franzi o cenho – Todos de certa forma tem medo de mim mas você – Mordeu o lábio – Você não dá a mínima...
— Por que eu teria medo de você? – Cruzei os braços e esperei sua resposta.
— Porque eu enfiei a porra de uma faca nas costas do namorado da minha mãe, umas três vezes?
— Isso é ruim, bem ruim – Tentei não soar assustada – Mas não é o que te torna um psicopata... Eu acho.
— Pra mim não foi ruim. Eu fiquei aliviado quando fiz aquilo – Apertou a mandíbula e estremeci.
— Deve ter tido um bom motivo – Sussurrei com o coração disparado.
— Eu tive – Sua voz falhou e desviou o olhar como se suas lembranças o afetassem mais do que demonstrava.
— Não íamos procurar por algo pra comer?.... Estou faminta, gosto de batata frita, o que acha? – Tentei sorrir e segurei sua mão o trazendo comigo.
— Batata frita é legal – Comentou com a voz triste – Tem dinheiro?
— Na verdade não – Respondi constrangida.
— Nem eu, mas vou dar um jeito nisso – Me soltou e saiu à minha frente.
— Não tá pensando em nada ilegal né?
Noah me observou erguendo as sobrancelhas e fez um bico.
— Só porque eu fui pro reformatório acha que eu saio por aí roubando comida?
— Não foi exatamente o que eu quis dizer, como você disse “dar um jeito nisso”, e não “comprar”, eu apenas pensei... É eu não deveria ter pensado isso, é claro que vai comprar e pagar! – Bati em minha testa me sentindo uma tola.
— Na verdade você tava certa, eu vou roubar e você vai me ajudar! – Disse com uma naturalidade assustadora.
— Nem pensar! Tá maluco?
— Eu tô com fome e você também.
— Eu não vou te ajudar a roubar comida!
— Não é bem roubo, é sair sem pagar! Só uma encenação e pronto!
O observei pensativa. Onde eu havia me metido?
— Acho bem mais imoral aqueles universitários ficarem com menores de idade, e você não parecia se importar – Fitou-me com a mão no queixo.
Ele não estava tão errado assim.
— Tá – Suspirei vencida – Qual é o plano?
— Vamos fingir ser um casal, fazemos nosso pedido, comemos, fingimos uma briga, uma bem escandalosa, você sai na frente irritada gritando comigo e eu corro atrás de você, dizendo que já volto pra pagar. O que acha?
— Parece bom – Abri um breve sorriso.
Caminhamos mais alguns metros procurando por alguma lanchonete aberta, até encontrarmos uma com estética sessentista e escolhemos uma das mesas.
Uma jukebox antiga tocava alguma música antiga que eu desconhecia, mas soava divertida.
Uma garçonete de meia idade, e cabelos loiros num permanente oitentista, mascando chiclete de boca aberta e olhar de desinteresse parou diante de nossa mesa com um bloco de anotações em mãos.
— Bem vindos ao “Ditta’s Burger”, o que vão pedir? – Indagou com a naturalidade de um robô.
— Hum, duas fritas grandes, por favor! – Pediu Noah com uma voz melódica e sorriu para a mulher, a deixando sem graça.
— Isso, e dois milkshakes – Noah me olhou surpreso.
E a mulher se afastou, hora ou outra olhando para trás, para Noah que ainda flertava com os olhos.
Que nojo.
— Mas que merda é essa? – Sussurrei me inclinando em sua direção — Tá flertando com aquela senhora?
— Tá com ciúmes?
— O que? Não! É só, nojento!
— Vai fazer sentido, ela vai achar que brigamos por que eu sou um canalha.
— Eu realmente espero que isso funcione. E  você é um canalha, não precisa provar pra ninguém!
— Ah não fala assim, você também não é santa. Pediu mais que o combinado pra quem não está confortável com nosso plano... Espero que consiga correr rápido de barriga cheia.
— Também espero! – Mordi o lábio pensativa – Já pensou se alguém da escola nos visse aqui, juntos? Poderiam dizer que estamos num encontro.
— A líder de torcida e o psicopata. As coisas poderiam ficar ruins pro seu lado...
— Ultimamente eu tô pouco me lixando pro que os outros pensam de mim. Essa merda de ensino médio vai acabar e nada mais vai fazer sentido.
— Tem certeza? Ser popular tem seus benefícios. Pode ser a rainha do baile – Sorriu  cínico e retribui revirando os olhos.
— Eu nem sei se vou pro baile. Não parece mais tão importante.
As memórias de quando havia combinado de escolher o vestido com mamãe depois de sua recuperação. Nós ríamos sentadas em sua cama, falando sobre meu penteado, sapatos, vestidos e garotos.
— Lenan Jacobs uma das prováveis rainhas do baile, não tá afim de aparecer?
— Se souberem que ando comendo fritas com você, não vão nem fazer questão que eu apareça.
— Provavelmente não me deixariam entrar, ou armariam pra jogar um balde de sangue de porco em mim.
A garçonete se aproximou com nossos pedidos e um olhar perturbador para Noah.
Eca!
— Obrigado Darlene – Leu o crachá de identificação da mulher – Você é incrível! – Alisou o pulso dela com o dedo indicador.
Darlene sorriu lisonjeada e suspirei enojada.
— Não tem de que... – Sorriu e pigarreou sem graça quando me notou a observando com nojo, voltando para trás do balcão no mesmo instante.
— Você é nojento!
— Cada um faz o que pode pra sobreviver. É assim que a vida funciona.
— Podemos voltar a falar do baile? – Mergulhei uma batata no milkshake.
— Como quiser senhorita Jacobs – Deu de ombros – E quanto a você, provavelmente os garotos fariam fila pra te convidar...
— Não haveria ninguém que me interesse o bastante para aceitar. Você não pensa em convidar nenhuma garota? Não precisa ser da nossa escola.
Noah me observou pensativo, bebeu um pouco de seu milkshake, balançou a cabeça e por um momento desejei que seus lábios pronunciassem meu nome.
— Até poderia convidar alguém, se não considerasse esses bailes uma tremenda perda de tempo. Poderia haver uma pessoa – Fitou-me e desviou o olhar, perdendo sua pose de malvado – Mas não, não daria certo. É até estúpido cogitar a ideia.
— Eu te convidaria! – Disse por impulso e senti o coração acelerado – Se não houver ninguém, poderia ser legal, penso que poderia ser divertido. É só uma festa na quadra da escola, nada demais – Tentei sorrir e não soar apavorada com minhas próprias palavras.
Noah me observava calado, com olhos confusos, e voltou a atenção para sua comida. E por um segundo pensei se minhas palavras haviam o chocado o bastante para deixá-lo sem resposta.

O vazio que habita em nósOnde histórias criam vida. Descubra agora