Capítulo 2

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19 de maio de 2020.

No dia seguinte, eu já tinha alguns comentários e votos na história. Aquilo me animou demais, geralmente não recebia respostas rápidas assim — mas as pessoas estavam gostando, uma conta grande de divulgação de livros havia me retweetado e aquilo havia engajado leitores.

Eu mal conseguia focar na aula porque estava ansiosa para que Laura aparecesse. Nunca sabia quando ela apareceria, era impossível prever, o que só confirmava que Laura era uma força incontrolável da natureza.

Assisti às aulas, depois fiz as atividades que estavam atrasadas. Minha mente ficava voltando o tempo inteiro para Laura, eu acessava as notificações do Twitter a todo momento.

Quando Laura apareceu, já era de noite e eu estava deitada na cama, caindo de sono enquanto tentava terminar de ler um livro no Kindle. As palavras já haviam parado de fazer sentido faz tempo e eu só via borrões. Pulei da cama ao vê-la, toda contornada por seu brilho branco fantasmagórico.

— Ei! Estava te esperando — disse, contendo um bocejo. Corri até a escrivaninha para pegar o computador, depois voltei para cama e fiz um gesto para que Laura se sentasse ao meu lado. — Senta aqui, preciso te mostrar algo — pedi. Ela me lançou um olhar desconfiado, mas acabou se sentando perto de mim. Apontei para a tela do computador. — Tomei a liberdade para escrever alguns capítulos do ponto de vista da Anita. — Anita era o interesse amoroso no conto dela, Laura havia narrado pelo ponto de vista da protagonista, Rosa.

Eu amava aquela história e a sonoridade dos nomes. Anita e Rosa. Soava tão romântico — e eu era bem fria quando se tratava desses assuntos. Enquanto minhas amigas se apaixonavam e viviam milhares de experiências normais da adolescência, eu nunca encontrei ninguém que me fizesse sentir todas essas sensações estranhas que elas relatavam.

— Isso é... — Laura começou, lendo por cima o primeiro capítulo que eu havia escrito. Meu estômago embrulhava enquanto Laura lia minhas linhas.

Rosa pode ser um raio de sol brilhante, mas seus olhos são milhares de ondas colidindo. Ela não percebe o quanto é linda? Eu só quero balançar a garota pelos ombros e gritar: Você. É. Espetacular.

— Você gostou? — pedi, rolando a página com nervosismo para que ela conseguisse ler mais trechos do capítulo. Sentia minhas bochechas queimarem. Rosa me lembrava muito de Laura, então foi fácil descrevê-la pelos olhos da Anita.

O negócio sobre Rosa é que ela é como um vício. Não consigo viver meus dias sem ela. Dependo das nossas risadas e sorrisos, amo cada momento ocioso que passamos juntas.

Só agora eu estava percebendo alguns lapsos problemáticos de dependência emocional no texto, mas consertaria depois. O importante era Laura gostar.

— Ficou... poético. É lindo — disse ela, e eu sorri orgulhosamente. Minimizei a aba do editor de textos e abri a capa que havia feito. Era simples, eu não sabia ilustrar e não tinha muita habilidade com design, então sempre apostava em algo mais clean com uma paleta de cores que combinavam entre si.

— Eu fiz uma capa. — Ampliei a imagem. Eu havia utilizado tons de rosa, cor favorita dela, e algumas figuras enfeitavam o título que ocupava a maior parte da capa. Embaixo, estava escrito Ali & Laura.

— Ali, ficou incrível — suspirou Laura, os olhos brilhando levemente. Eu sorria sem me conter, o rosto transparente com a felicidade que estava sentindo.

— Resolvi postar num desses sites de publicação online independente e...

— O quê? — Laura franziu as sobrancelhas, inclinando-se para ver a tela do computador enquanto eu abria uma nova aba.

— É um site em que as pessoas publicam seus contos e livros, e as outras pessoas podem comentar e votar — eu disse, apontando para as estrelinhas. — Viu? Vinte votos! Para algo publicado ontem é muita coisa — falei num tom empolgado, cheia de expectativa. Eu nunca tinha visto tanta notificação em tão pouco tempo. — E tem os comentários. — Acessei a página dos comentários, quase pulando de empolgação. Laura sempre me fazia milhares de perguntas sobre o próprio texto, querendo saber como eu havia me sentido ao ler, como estava o ritmo, se eu gostava dos personagens.

A seção de comentários era a melhor forma de ter uma reação orgânica.

— Não deveria ter feito isso — murmurou ela, meio chocada, meio sem reação. Minha animação despencou para o estômago ao ver que ela não parecia tão feliz.

— Achei que você fosse gostar. As pessoas estão amando sua escrita — respondi, apontando para os comentários cheios de letras em caixa alta e emojis coloridos.

— Não tenho nem sobrenome, estou morta, não posso assumir a autoria — falou, e então eu percebi. Meu perfil tinha meu sobrenome, minha foto, ela era reduzida a um nome na capa.

Eu sabia que Laura tinha complicações com isso. Ela odiava ser fantasma, mas não conseguia seguir em frente — vivia presa nesse limbo. Eu tentava ajudar quanto podia, mas sabia que ela guardava muito para si. Achei que os comentários a ajudariam a ser um pouco humana, ter as experiências de uma pessoa viva.

— Lau, eu...

— Você não tinha o direito! — interrompeu ela, levantando-se de súbito. Eu estava desolada, afundada na cama e congelada com o computador no colo.

— Eu... — comecei a falar, olhando os comentários. Eles diziam o quanto o texto dela era incrível, todas as emoções que transmitiam. Eu havia colocado notas antes de cada capítulo dizendo quem escrevera. — Por favor, só veja os comentários, você vai gostar. — Eu estava meio desesperada. Ela apenas me encarou, os olhos escurecidos, cintilando como uma tempestade de raios zangados.

— Eu não deveria ter narrado as histórias para você. — Eu não soube como responder. Estava esperando que ela fosse ficar animada com a visibilidade e os comentários, mas...

Sem dar a chance de me recuperar do choque para responder, Laura sumiu. Simples assim. Ela desapareceu num piscar de olhos, entre um lapso de luz ou outro.

Anjos Como VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora