Capítulo um

462 99 749
                                    


Às vezes somos obrigados a tomar decisões das quais não gostamos. Quando somos responsáveis por outras pessoas ou simplesmente quando não há outra saída. Uma oportunidade assustadora, ainda é melhor do que nenhuma...



     Na minha pequena e velha bolsa de feira havia apenas alguns tomates quase apodrecidos, o máximo que eu pude comprar com as poucas moedas que tinha. Estar sem dinheiro para qualquer outra coisa a mais do que sobras é uma condição à qual estou submetida a mais tempo do que gostaria.

     Nem sempre havíamos vivido assim, contando as moedas para garantir as refeições do dia. Antes de meu pai desaparecer e deixar minha mãe e eu para trás nós vivíamos confortavelmente e mesmo após a sua partida continuamos razoavelmente bem nos primeiros meses. Até a mamãe descobrir que estava grávida novamente e quando sua barriga cresceu, não demorou para que boatos maldosos se espalhassem por toda a vila. Ela foi acusada de prostituição e por dias tivemos que espantar homens que apareciam de madrugada em busca de prazer. Eu tinha treze anos na época, quando assisti ela ser expulsa do educandário onde era professora e quatorze quando ajudei no nascimento de Drystan.

     — Cheguei! – anunciei assim que passei pela velha e pesada porta de madeira.

     — Bel! – um menino de cinco anos correu para abraçar minhas pernas. — Que bom que chegou!

     — Estava se sentindo solitário? – me abaixei para receber seu abraço. Drystan era uma criança amorosa e surpreendentemente resoluta.

     — Sim! – ele me encarou com seus grandes olhos verdes.

     Olhei para o estreito corredor que levava para os dois pequenos quartos. Com uma ínfima e vã esperança, esperei que mamãe viesse me receber, e como todos os dias dos últimos cinco anos, ela não veio.

     — Quer me ajudar com o almoço? – perguntei me soltando de seu abraço e caminhando para a cozinha.

     O cômodo estava quase vazio, durante o primeiro ano após o nascimento de Drystan eu tive que vender alguns móveis para conseguir dinheiro. O armário de louças e a mesa haviam rendido uma quantidade aceitável de moedas, elas teriam durado um ano se não fosse pela doença da mamãe e pelas necessidades do próprio Drystan.

     — Drystan, você pode ir lavar os tomates? Eu vou ir ver a mamãe – ele respondeu com um aceno de cabeça e correu para puxar um dos poucos bancos da casa cujo ele usava para subir e ficar na altura da pia.

     Mamãe estava igual a todos os dias. Deitada na cama ainda vestida com as roupas de dormir, cabelos despenteados e as fissuras do rosto marcadas pela magreza. Uma sombra da mulher que foi um dia.

     — Mãe? – ela não se mexeu. — Mamãe? – tentei novamente.

     Por vezes eu tinha a sensação de estar falando com um corpo sem alma. Parecia que havia paredes invisíveis ao redor dela, feitas do material mais resistente e impenetrável que a deixava inalcançável para quem estava de fora.

     — Mãe... eu vou fazer o almoço... talvez a senhora queira ir e... – parei quando percebi que era inútil. Ela estava muito longe, com os olhos e a expressão perdida. — Vou deixar a senhora descansar.

     Drystan e eu fizemos a sopa enquanto ele me contava o que havia feito de manhã no período em que eu estava fora. Uma manhã solitária para uma criança de apenas cinco anos, mas não havia ninguém no vilarejo que aceitasse qualquer um de nós.

Persona - A Maldição de AmbroseOnde histórias criam vida. Descubra agora