Capítulo Cinco

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"Nós conhecemos o mundo através das experiências que vivenciamos ao longo de nossas vidas. Fadados a reviver momentos quando novos obstáculos surgem."



Os empregados finalmente começaram a falar em minha presença. Não consigo considerar como avanço, pois não conversavam comigo, mas sobre mim. O diz-que-diz começou quando o arquiduque mandou que me fosse entregue uma cópia da chave da biblioteca, e tal feito parece ter se espalhado pelo palácio como fogo em feno. Ao parecer, todos ficaram ressentidos com a regalia que recebi. Ao que parece, durante todos esses anos servindo o senhor dessas terras, eles nunca tiveram permissão para adentrar ao cômodo senão fosse apenas para limpá-lo.

Aconteceu no meu segundo dia visitando o majestoso espaço, eu devolvi um livro de contos que peguei emprestado no dia anterior e voltei com o ímpeto de carregar outro exemplar para meu quarto. Mas, esquecendo o receio que tinha em esbarrar com o arquiduque, cedi ao meu desejo de aproveitar o espaço e acomodei-me confortavelmente em uma das espreguiçadeiras, a que eu prontamente reivindiquei como minha preferida por receber abundante luz que atravessava a suntuosa janela, iluminando as páginas suspensas em minhas mãos e ao mesmo tempo afagando a minha pele com o seu calor. Foi durante a minha leitura que as falácias mais altas do que era apropriado para o ambiente irromperam o silêncio da biblioteca.

— Veja como é insolente – disse uma voz feminina escondida por entre as estantes. — Soube desde o primeiro dia que essa aí não é flor que se cheire, se oferecendo para o nosso senhor assim que pôs os pés em nossa casa – bufou.

— E não demorou para mostrar as suas intenções – disse uma outra voz, desta vez masculina. — Não tem respeito pela dama que serve. Ainda trouxe toda a sua família, suas intenções de ocupar o lugar da Senhorita Cecília são óbvias.

— O que é óbvio é que ela não sabe seu lugar, não passa de uma plebeia – a voz feminina voltou a destilar veneno com suas palavras.

Não aguentei ficar sentada enquanto novamente era alvo de difamações. Soltei o livro na maciez do estofado da espreguiçadeira e segui em direção das vozes enfadonhas, no entanto antes de alcançar meu objetivo, tive o vislumbre de suas sombras se movendo pelo corredor em passos rápidos, e antes que eu pudesse segui-los eles atravessaram e fecharam as grandes portas, abandonando o material de limpeza.

E como se todos os empregados houvessem ao mesmo tempo recebido o aval para falar próximo a mim, eu passei os próximos sete dias ouvindo sussurros – e as vezes indiretas propositalmente audíveis – sobre mim. Percebi, que durante o período em que eu não estava no campo de visão deles, minha existência parecia ser esquecida, mas assim que minha presença era notada eu me tornava o alvo das suas implicâncias, como se eu fosse o gatilho que despertasse todas as suas frustrações. Com isso, eu comecei a evitar ao máximo frequentar o mesmo ambiente que eles e até cessei com as minhas visitas à biblioteca. Porém, eles pareciam determinados a me atormentar, e não demorou para que mostrassem as garras.

O mordomo César estava parado em minha frente com uma expressão indulgente, com a boca em uma linha severa e as sobrancelhas juntas, claramente nervoso. Em sua mão direita, carregava um exemplar de capa dura marrom, que eu reconheci ser o livro que estava lendo no dia anterior. Eu estava em seu pequeno, mas cômodo gabinete, local de onde ele cuidava das questões que envolviam os empregados e o palácio. O motivo da minha presença ter sido solicitada ainda continua uma incógnita.

— Imagino que saiba o motivo de me ter chamado – começou, ele mesmo parecendo não acreditar em suas palavras.

— Não senhor – respondi.

Persona - A Maldição de AmbroseOnde histórias criam vida. Descubra agora