Capítulo Quatro

312 62 227
                                    


   "A esperança não pode ser lida como ilusória, não quando ela é motivadora."


Foi na minha primeira semana no Palácio Negro que eu cheguei à conclusão de que as paredes da fortaleza são bem mais poderosas do que aparentam. Por dentro, tudo é belo e aconchegante, mas por fora elas são completamente impenetráveis, assim como seu dono...

As noites no palácio passam em completo silêncio, quase como se a grande construção fosse inabitada. A lua acaricia as cortinas como se quisesse entrar no quarto e esconder-se dentro das paredes escuras e protetoras. Ninguém menciona os horrorosos sons que penetram as paredes quando se está escuro demais para enxergar, a verdade é que ninguém menciona nada perto de mim. Rugidos, gritos e uivos soam durante a madrugada trazidos pelo vento, às vezes longe, às vezes perto. Por dias, as lamúrias noturnas fizeram parte dos meus sonhos, trazendo monstros das antigas histórias de volta à memória, manchando as imagens oníricas com sangue e dor.

É verdade que eu nunca vi nenhuma das bestas pessoalmente, sua aparência assim como sua procedência são mistérios para mim e para todos do Império de Grifo. Apesar disso, muitas vezes escapavam das memórias do povo que vive no vilarejo a existência desses monstros que espreitam a floresta Osíris. Mas, vivendo agora tão próxima a ela, é impossível esquecer quem habita e domina aquelas terras perdidas. Existem muitas lendas sobre as bestas que nunca ganharam nome, mas nenhum conto sabe dizer com precisão de onde vieram.

Algumas delas contam que essas criaturas ascenderam do inferno quando o homem cometeu o primeiro pecado, e para cada novo, uma nova besta sobe a terra como punição. Existe também a versão de que esses monstros já foram pessoas como nós, homens gananciosos que foram corrompidos por forças que estão além da compreensão humana e acabaram perdendo suas consciências e almas. Mas sem dúvidas, a versão mais famosa dentre todas contadas, é a que envolve o Arquiduque. De acordo com a lenda, as bestas surgiram no mesmo período em que Ambrose foi amaldiçoado, trazidos pelo mesmo para essas terras com um propósito obscuro, alguns dizem que foi para se vingar do império e amedrontar a todos com o seu domínio sobre elas, outros acreditam que ele fez isso para conseguir títulos e terras em troca de manter as feras presas.

Penso nas lendas enquanto me debruço sobre as pedras e esfrego delicadamente as peças de roupas molhadas sobre a pedra lisa. Olhando de perto para as grossas paredes negras é difícil acreditar que o Arquiduque tenha a intenção de marchar com as bestas para dentro do império. E me parece improvável que ele espere dois séculos para executar uma vingança contra pessoas que já estão mortas a tempo demais para serem lembradas. Mas não nego, que o fato de ele ser a única pessoa capaz de lutar contra esses monstros seja material suficiente para me fazer acreditar de que de alguma forma ele está relacionado com o surgimento deles...

Dobro todas as roupas já lavadas dentro de um cesto, agora que estão molhadas carrego com dificuldade até a área destinada para que sejam devidamente estendidas para secarem ao sol. Enquanto estiro as peças molhadas nas cordas expostas pelo terreno verde e plano, observo os criados ao meu redor trabalharem metodicamente, com passos e ações controladas como passos de dança precisamente ensaiados. Nenhum deles se aproxima de onde eu estou estendendo as roupas, pelo contrário, eles parecem evitar contato comigo com muito afinco.

Quando finalizo com a minha tarefa me aproximo de uma empregada que veste as cores do arquiduque. Ela usa um vestido branco liso com um avental verde musgo por cima, a marcando como serva exclusiva de Ambrose. Usa seu cabelo preto brilhoso trançado firmemente no topo da cabeça com uma touca segurando fios teimosos, ela me olha com seus olhos azuis claros quando me aproximo de onde prende as roupas do arquiduque na corda.

Persona - A Maldição de AmbroseOnde histórias criam vida. Descubra agora