História de um Imortal 02

Última sobrevivente

     Entramos, a mudança de decisão dela me roubou a atenção.

     -Então quer dizer que você é a garota que sobreviveu a Tirty? - Ashley disse olhando para Helena - Sentem-se - ela apontou para um sofá e sentou-se em uma poltrona.

     Sentamos, Helena e eu olhamos um para o outro, e após um breve silêncio, Helena começou a falar.

     -Minhas lembranças do dia do acidente não são muitas, mas pelo que vi em seu quadro, você também viu todos aqueles seres. - Helena disse.

     -A Queda de Tirty ainda é um mistério para muita gente, várias teorias foram feitas, entre elas, teorias que diziam que bruxas estavam tentando derrubar a Grande Okakeva e tomar todo o país. Eu não creio nisso. Na verdade, é uma teoria falha, tendo em mente que Tirty não se beneficiaria tomando Grande Okakeva e nem qualquer outra cidade de nosso país. Muito pelo contrário, Tirty estava libertando todas as vilas de seu território em troca de comércio. - Ashley explicou.

     -Como pode saber de tudo isso? Trabalha para o governo? - Perguntei.

     -Qual o seu nome?

     -Kaler.

     -Pois bem, Kaler, eu pintei meu quadro depois que saí de Tirty um pouco antes da invasão daqueles seres, você Helena, não é a única sobrevivente de Tirty, eu também sou. No dia eu estava próximo a fronteira de Tirty com Grande Okakeva, consegui sair assim que ouvi gritos, e logo depois, quando aqueles seres chegaram ao portão, é como se eles não pudessem passar, como se uma barreira os impedisse de atacar as proximidades de Tirty. Não sei se vão acreditar em mim mas, Tirty foi atacada e Grande Okakeva está por trás disso, depois que tudo aquilo aconteceu, eles vieram me procurar...

     -Eles quem? - Perguntei.

     -Os organizadores, uma comunidade secreta denominada OSM, eles me deram essa casa e me disseram para nunca contar nada daquilo a ninguém, provavelmente nunca viram meu quadro.

     -Sabe onde podemos os encontrar por aqui? - Helena perguntou.

     -Quando me levaram, não me deixaram ver onde eu estava indo, mas sei que descemos em algum lugar, como um porão. Eles foram cuidadosos mas quando eu estava saindo, eu pude ouvir os sinos. Eles provavelmente ficam no porão de alguma igreja ou algo assim.

     -Obrigado, isso é o suficiente. - Eu disse levantando e me dirigindo até a porta.

     Helena me seguiu e então saímos de lá, ainda não havia ninguém na rua. Eu podia imaginar que eles estavam na igreja central, provavelmente uma catedral muito grande, um local protegido do mundo demoníaco, onde eles não pudessem ser atacados. O tão conhecido e cobiçado, solo sagrado.

     Fomos até um restaurante comer alguma coisa antes de buscar informações sobre a igreja central da cidade.

     -Eu gostaria de ter conversado mais - Helena disse - era alguém que me entendia, que assim como eu, perdeu tudo o que tinha.

     -Você pode voltar lá se quiser, durma lá essa noite, eu vou procurar algum hotel aqui por perto.

     -Precisamos marcar algum ponto de encontro, para caso eu não possa dormir lá.

     -Venha comigo até o hotel, de lá vc pode voltar até a casa de Ashley.

     Assim foi feito, já anoitecendo procuramos o hotel mais próximo, onde subi e logo me deitei, enquanto Helena, retornou para a casa de Ashley.

     O quarto onde fiquei era até que aconchegante, deitei-me na cama e me permiti dormir.

[Part. Helena]

     A casa de Ashley não ficava tão distante de onde Kaler havia ficado, se comparado com tudo o que andamos até agora, era como se fosse na esquina. Eu tinha tanta coisa para perguntar a Ashley, coisas sobre Tirty que até então eu não sabia. Porém, nem tudo ocorre da forma que queremos, no caminho da casa de Ashley percebi que as coisas começaram a ficar estranhas, a noite era muito fria nessa cidade, eu já conseguia ver a neblina densa se formando, ao longe, ouvia sirenes, as vezes alguns gritos, e tive a sensação de estar sendo seguida.

     Comecei a caminhar mais rápido devido as sensações estranhas, mas a apenas três quarteirões da casa de Ashley eu fui abordada por algumas pessoas. Tentei lutar mas foi tudo muito rápido, conseguiram me segurar e colocaram uma venda nos meus olhos, senti algo em meu pescoço, como se estivessem tentando me matar sem ar, eu lutei o quanto pude, mas apesar de eu ter habilidades sobre-humanas, era como se eles também tivessem, por um momento me entreguei, já sem fôlego, eu desmaiei.

     Acordei caída ao chão, e ouvi uma respiração pesada ao meu lado. Tirei a venda de meus olhos e mais uma vez vi aquele lagarto. Parado ao meu lado, ele me olhava de cima a baixo como se procurasse algo, os homens que haviam me abordado pouco tempo antes, estavam caídos ao chão, provavelmente mortos. Algo me dizia para fugir do lagarto, mas eu não estava com medo. Ele podia ter me matado se quisesse.

     -Por qual razão você fez isso? - Perguntei olhando para o lagarto.

     -Redenção. Theia.

     Aquelas duas palavras foram o suficiente, ali eu consegui entender tudo o que ele queria dizer, ia agradecê-lo por me salvar mais uma vez, mas ele sumiu antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.

     Eu não sabia se aqueles homens estavam mortos ou desmaiados, mas também não quis ficar para descobrir, então comecei a correr para a casa de Ashley, mas chegando lá encontrei a casa dela em chamas. Assustada e sem saber o que fazer, quando então percebi que a biblioteca também estava em chamas. Corri de volta para o hotel o mais rápido que consegui, mas por outro caminho, com medo de aqueles homens terem despertado.

[Part. Kaler]

     -Kaler? - Ouvi uma voz feminina ao longe.

     -Agora sim. Gostou? - Perguntei rindo um pouco.

     -Uma letra diferente do que estou acostumada, mas é bem parecido, então tá tudo bem.

     -O Polium, eu estou em busca dele, vou cumprir a promessa que fiz a você.

     -Por favor, não faça isso ser um peso para você, se não quiser, eu retiro agora sua obrigação de cumpri-la, estará liberto do seu pecado.

     -Mas, eu vou viver para sempre, é um pecado sem redenção, então irei levá-lo por toda eternidade.

     Abri os olhos e vi novamente em minha frente aqueles longos cabelos voando ao vento.

     -Espero o dia que possamos nos reencontrar, mas não sei se esse dia chegará de fato, ou se apenas minto para mim, afim de diminuir minhas dores e solidão neste purgatório sem cor. - A moça afastou-se lentamente de mim até finalmente sumir.

     Acordei com alguém batendo a porta do quarto, logo levantei e fui abrir a mesma.

     -Kaler, a casa de Ashley e a Biblioteca, estavam em chamas, acho que eles ouviram nossa conversa. - Helena disse ofegante.