Pablo me instigava a curiosidade. Quando estava em casa, ou na escola, me pegava imaginando o que ele estaria fazendo nesse exato momento e a resposta era quase invariável: provavelmente trabalhando na máquina.
Por que essa obsessão em fazer o objeto voar? Seria realmente apenas para ajudar as pessoas? Ou estaria intrinsecamente ligado ao fato de ele não conseguir produzir magia e querer alcançar algo que nenhum bruxo nunca fez?
— Gosto da ideia do legado — ele disse uma vez. — Um dia vou morrer e partir para um ponto de interrogação do tamanho de um penhasco. Mas teria a certeza de que deixei um legado, algo que possa durar além de mim. Gosto da ideia.
Pareceu-me um pensamento abstrato demais para levar ao pé da letra como estilo de vida, mas ficou bem claro que Pablo baseia sua vida em conceitos poéticos. Ele faz uma coisa nova a cada dia e escreve de olhos fechados. É um jeito interessante de se viver.
Vários de nossos encontros se resumiram em deitar na grama e observar o céu, em silêncio. Nunca assumiria isso para ele, mas muitas vezes simplesmente fingi dormir em seus braços, para fazê-lo dormir também. Eu adorava o Pablo dormindo, poderia passar horas apenas sentindo o seu peito subir e descer lentamente junto à respiração. Uma sensação de paz me envolvia quando o observava dormir, com o seu habitual sorriso de canto de boca. Poderia me imaginar nessa situação durante anos, poderia me imaginar envelhecendo dessa forma, poderia lhe imaginar cuidando de crianças pela casa e contando histórias sobre uma máquina que voava. Era fácil, simples e natural. Parecia o correto.
Não existia uma palavra melhor para descrever a sua família do que "quieta". Sua mãe era linda, educada e parecia gostar de mim, não conversávamos mais porque ela dedicava toda sua atenção e tempo em cuidar do pai de Pablo, que era um tanto quanto debilitado. O próprio Pablo parecia disposto em ajudar nessas tarefas, assim como todas as outras dezenas de criadas, mas ela nunca permitia. Imaginei o amor que pulsava dentro dessa história, da mulher que cuida e protege o seu marido com tanto afinco. Gostaria de saber como se conheceram, como se apaixonaram e se eram parecidos comigo e com Pablo. Nunca tive coragem de entrar nesses detalhes.
Algumas tardes, passávamos simplesmente brincando com Magrelo, o dragão. Ele era tão doce quanto qualquer outro animal doméstico.
— Eu o ensinei a soltar fogo — Pablo disse uma vez. — Olha só. Magrelo! — O dragão olhou em sua direção. — Fogo! — E Magrelo imediatamente encheu o peito e soprou uma labareda em direção ao céu, me assustando um pouco. — Legal, não é mesmo?
— Mais ou menos — retruquei. — Fogo é perigoso.
— Fogo é útil! — Ele respondeu enquanto acariciava o dragão. — Tenta fazer também. — Ambos nos afastamos para garantir que não acabaríamos chamuscados.
— Magrelo — falei, sem confiança na voz. — Fogo!
E ele me obedeceu, soprando uma labareda ainda mais forte.
— Olha só! — Pablo exclamou. — Quando você precisar de umas boas labaredas, já sabe onde encontrar.
— Não sei se eu vou precisar disso um dia.
— Nunca se sabe. Absolutamente nada é inútil.
Talvez por conta da sua situação física, Magrelo se cansava rápido. Logo se deitou e em menos de três minutos já estava dormindo.
Pablo deitou na grama olhando para o céu, como gostava de fazer, e eu o acompanhei apoiando minha cabeça em seu peito, de olhos fechados. Logo, começamos a nos beijar e as suas mãos voltaram a se inquietar, cada vez mais ousadas, cada vez melhores. Ele tirou a minha camisa e eu permiti, tirou a dele e eu permiti. Parecia certo, eu o amava e essa poderia ser a hora de acontecer. O que me impedia? Eu o queria e ele também. Estava segura e feliz.
Mas nunca havia o contado sobre isso.
Essa não seria uma boa hora para contar? Claro que não. Estávamos prestes a fazer! Ele sentiria alguma diferença? Quando sua boca dançou sobre o meu corpo senti coisas que nunca havia sentido antes, o que me causava estranheza.
Pablo já estava em cima de mim, ágil e seguro.
Senti dor.
— Para!
— O que foi? — Pablo perguntou ofegante, me olhando com uma expressão assustada. — Fiz alguma coisa errada?
— Não. Não. É que... — Eu estava tão envergonhada que sentia vontade de afundar minha cara na grama, senti o sangue subir, o que deve ter corado minhas bochechas. — Eu. Eu queria que fosse... Perfeito, entende? Só isso.
Ele obviamente entendeu o que estava acontecendo e me deu um sorriso de canto de boca, me tranquilizando.
— É isso que você terá, amor. Vamos aguardar.
— Me sinto boba.
— Não sinta. Eu te amo — ele disse de repente como uma picada de abelha.
— O quê? — Atordoada pela picada.
— É isso que você ouviu. Eu te amo e não vou retirar isso. Aliás, eu inclusive fui pesquisar no dicionário o significado da palavra "amor", para poder tratar esse assunto com propriedade. E sabe o que diz? Que o conceito mais popular de amor envolve, de modo geral, a formação de um vínculo emocional com alguém, ou com algum objeto que seja capaz de receber este comportamento amoroso e enviar os estímulos sensoriais e psicológicos necessários para a sua manutenção e motivação. Não posso brigar contra as definições técnicas, Mel, eu realmente te amo. E eu sei que nós somos apenas duas gotas de água em um oceano tão grande que ainda nem sabemos ao certo da onde vem e para onde vai, e agora não tenho a menor curiosidade quanto a isso, porque, para mim, você é a gota mais importante do mundo e tudo que preciso saber sobre a vida, o cosmos e tudo mais, se encontra aqui, bem na minha frente.
Só consegui me jogar em seus braços, feliz por ter encontrado aquilo que nunca procurei, mas sempre quis.
No caminho de volta para casa todas as coisas continuavam as mesmas. As ruas continuavam as mesmas, as casas continuavam as mesmas e as pessoas continuavam as mesmas... Mesmo assim não conseguia afastar de mim a sensação de que tudo estava diferente, porque ele disse que me ama, disse que eu sou a gota mais importante do oceano e que estava mais interessado em entender a mim do que a todos os outros mistérios da vida, dos cosmos e tudo mais.
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MAIS LEVE QUE O AR (HISTÓRIA COMPLETA)
RomanceMelissa é uma garota comum, exceto por um detalhe: ela é capaz de conjurar flores. No Reino de Amberlin fazer magia é como tocar um instrumento musical, qualquer um é capaz de aprender se tiver interesse. É lá que ela conhece Pablo, um rapaz misteri...