DOIS

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Decorei o trajeto da minha casa até o cemitério e o fazia todas as manhãs quase que automaticamente, só para me sentar em frente ao túmulo e ficar sem saber o que fazer. O meu inconsciente estava apenas tentando entender o que aconteceu, é muito mais complexo do que parece. Como Pablo pode simplesmente existir em um dia e no outro simplesmente não mais? Ou existir, mas imóvel abaixo da terra. Sempre lembro das histórias que ouvimos, de que nossa energia volta para a natureza, olhava para a grama à minha volta e tentava absorver esse raciocínio. Um dia, um pássaro passou voando entre mim e o túmulo, justamente enquanto pensava nisso. Senti um calafrio. 

Uma semana se passou antes que um mensageiro do rei viesse bater em minha porta. Talvez eles pensaram que estavam me dando um tempo para me acalmar antes de me chamarem, sem saber que vai demorar anos até meu sistema nervoso voltar ao normal.

Quando abri a porta, o mensageiro olhou com uma cara de pena. A essa altura, todos sabiam quem eu sou: a "viúva" mais jovem das redondezas.  

            — Senhora Melissa? — ele perguntou.

            — Sim — respondi.

            — Preciso que venha comigo.

            — Posso saber o motivo?

            — O rei deseja falar com você. Nada de grave, apenas uma questão corriqueira.

            Eu já tinha idade o suficiente para saber que o rei não trata os assuntos corriqueiros pessoalmente.

            Fui levada em uma diligência parecida com a que transportou a mim e a minha família para o cemitério, usando a roupa que estava em meu corpo, sem nem me preocupar em avisar as minhas irmãs que estava saindo de casa. Iria conversar com o rei de sandálias e não ligava a mínima para isso.

            Pela primeira vez, estava dentro do castelo me perguntando como as pessoas conseguiam morar em um lugar como aquele, sabendo da miséria que se alastrava entre diversas famílias ao longo do reino. Pablo morava em uma casa extremamente confortável, mas quando tudo que envolve a decoração está encoberto de ouro, fica bastante claro que a linha do bom senso fora ultrapassada.

            O salão de entrada era tão longo que perdi o fôlego enquanto o cruzava, a passos apressados, para acompanhar o mensageiro que me conduzia pelo castelo.  Eu continuava a esmiuçar a decoração com a minha visão, pensando sobre o quanto tudo aquilo é dispensável.

            Eu não precisei esperar o rei me atender, pelo contrário, ele que me esperava, sentado em uma pequena mesa que certamente não pertencia àquele lugar originalmente, já que não era coberta de ouro.

Algo estava muito estranho.

            Eu já havia visto o rei Amberlin XX antes, em fotos nos livros escolares e jornais. Pessoalmente ele era mais feio. Sua barba ruiva continuava a mesma, assim como as roupas, mas Amberlin não parecia tão saudável como era na minha imaginação. De qualquer forma ele não parecia humano, nem algo interativo. Parecia ser algo de outro mundo, outra dimensão, o que tornou todo o nosso diálogo ainda mais desconfortável.

            — Melissa! — o rei levantou-se e me abraçou, como se nos conhecêssemos. — Sente-se, por favor.

            Sentei-me e reparei que a mesa estava repleta de doces caseiros, muitos deles eu sequer conhecia.

            — Você pode se sentir à vontade, madame. Sirva-se com o que quiser. — parecia excessivamente cordial.

            — Não estou com fome — retruquei honestamente.

MAIS LEVE QUE O AR (HISTÓRIA COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora