Enquanto dirigia, Erick só conseguia pensar no quanto sua vida mudaria e no quanto as coisas andaram fugindo do seu controle nos últimos tempos.
Avistou na entrada da cidade a placa gasta que dizia: "BEM -VINDO A SANTO VALLE", com letras garrafais e não conteve o sorriso sarcástico.
"Santo Valle...", pensou. Algo lhe dizia que os dias ali seriam mais para infernais, mas ele não tinha outra opção, era isso ou...
— Droga! — Erick praguejou, olhando para o painel do jipe, o marcador acabava de acusar que o tanque entrara na reserva. Também, não poderia ser diferente, tinha dirigido por mais de quatro horas sem intervalo.
Seguiu em busca de um posto de combustíveis. Era a manhã de sexta-feira, de um mês de janeiro quente demais. Sentia-se com sede, cansado e irritado, tanto, que nem reparou na beleza da pequena cidade.
— Pode completar — ordenou, entregando as chaves do carro para o frentista.
— Quer que eu aproveite e veja o óleo, a água ...calibre os pneus? — o senhor de meia idade oferecia, enquanto chutava-os de leve, mostrando que estavam mesmo murchos.
— Claro...pode fazer tudo o que precisa — Erick concordou, já de olho na loja de conveniência. Conferiu o relógio, ainda não era nove da manhã, portanto, muito cedo para uma cerveja.
Pegou uma lata de Coca-cola e seguiu de volta para seu carro.
— O nível de óleo está muito baixo e os pneus têm mesmo de ser calibrados. Os quatro. —O frentista mostrou-se preocupado.
— Quanto tempo leva? — Erick franziu o cenho.
— Quinze minutinhos...
—Tudo bem — ele autorizou, depois de pensar que não se lembrava há quanto tempo não fazia uma boa revisão em seu jipe. A mãe cansara de pedir que ele fizesse um chek up antes de pegar a estrada.
Claro que ele não obedeceu.
Afim de matar o tempo, caminhou para fora do posto e se escorou na parede do prédio vizinho, tomou um gole do refrigerante e fez uma careta pela sensação ruim que o gás provocou em sua garganta, notou uma vidraça em suas costas e deu um passo ao lado para espiar o que tinha atrás dela.
A persiana estava semiaberta e pelas frestas alguma coisa prendeu sua atenção de modo instantâneo.
Uma garota de collant preto e cabelos claros, presos no alto da cabeça. Ela rodopiava e saltava graciosamente em frente a um espelho que cobria uma das paredes do lugar.
Erick sorriu, lembrou-se de sua mãe nos tempos em que dançava. Quando ele era pequeno, a mãe bailarina o levava em quase todos os ensaios. Nos dias de espetáculo ele ficava na coxia observando os artistas vestindo seus figurinos; as fantasias coloridas eram suas preferidas.
Ele achava que a mãe era a mulher mais bela de todo o mundo quando estava lá, sobre um palco, rodopiando como aquelas bailarinas das caixinhas de música.
Pegou-se sorrindo e se deu conta de que a tal garota mexera com suas lembranças, de um jeito bom.
Erick ficou por mais de vinte minutos assistindo ao show particular. Quando enfim a dançarina mudou de sala, ele se Incomodou por perdê-la de vista, sentiu-se conectado a ela de alguma forma e achava que precisava conhecê-la, falar com a bailarina, mesmo que por apenas um instante.
Como seria sua voz?
Decidido, permaneceu em frente ao estúdio. Esperaria, uma hora ela teria que sair dali. Atravessou a rua, do contrário a garota poderia se assustar ao dar de cara com ele.
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Um passo errado
RomanceA vida da bailarina Alicia Santteri na pacata cidade Santo Valle, no sul do Brasil, sempre foi calma e totalmente planejada. No ballet aprendeu a ser disciplinada e cada passo dado, tanto na dança quanto fora dela, era calculado. Tanta dedicação tem...