— Fuja daqui, Kad! — o velho homem de cabelos brancos e ossos saltados gritou deitado na cama. — Pegue o cavalo! Fuja para a floresta!
O jovem rapaz não se moveu. Ele não iria abandonar o pai doente enquanto a aldeia era atacada. Ele continuou em pé ao lado da cama de seu pai, com a espada de prata empunhada e o ouvido atento aos sons que enchiam seu lar. Várias casas ao redor já tinham sido atacadas. Ele podia ouvir os gritos horrorizados à sua volta e sentir o cheiro de fumaça entrar em seu nariz.
— Saía daqui agora! — o velho gritou e tentou, sem sucesso, levantar da cama.
— Não vou lhe deixar aqui, meu pai— Kad estendeu um braço ajudando seu pai a se levantar com dificuldade.
— Se você ficar, vai morrer! — o velho tentou empurrar o filho em direção a saída, mas ele não tinha mais forças, seus braços fracos não foram capazes de mover o filho.
O velho podia sentir o corpo amolecendo, a respiração entrecortada fazendo ruídos em seu peito. Kad colocou a espada em cima de uma pequena mesa de madeira. Ele pegou uma toalha e um balde de água em outro cômodo da casa. Kad umedeceu a toalha e colocou na testa do seu pai que começava a tremer de febre. Estendeu o balde para seu pai que tossia e espirrava um pouco de sangue pelo chão de pedras.
Um som alto fez com que Kad pulasse e se preparasse para o ataque. Pegou sua espada e se colocou em frente ao pai.
A mão de uma mulher dava socos na pequena janela de vidro. Ela foi capaz de quebrar o vidro com poucos socos, apesar de machucar a mão no processo.
Um pequeno menino de cabelos cacheados foi jogado através da pequena janela. A criança recebeu alguns cortes e arranhões pelo corpo do vidro pontiagudo.
Kad se aproximou do garoto e olhou através da janela para a mulher com os cabelos despenteados e o rosto ensopado de lágrimas que era perseguida por dois soldados de armadura dourada com um pequeno brasão azul em formato de águia.
— Por favor, salve meu filho!— ela gritou com a voz aflita antes de ser empurrada para chão e atacada por um homem de escudo na mão enquanto o outro se aproximava com espada em punho.
Kad correu até a porta. Tentou abrir para ajudar a mulher, mas a porta estava trancada. Ele tentou pensar em uma outra coisa, mas não foi preciso. Ouviu o grito gutural da mulher. Olhou para o lado de fora para ter certeza.
Era tarde demais.
O vermelho já manchava suas vestes rasgadas e os homens já partiam atrás da próxima vítima, um casal de irmãos adultos que corriam em direção à floresta.
Kad percebeu que precisava agir. Precisava ir embora antes que os soldados invadissem a casa. Ele pegou a criança machucada do chão e colocou na cama com seu pai que parecia um pouco menos pálido.
O jovem foi até a cozinha antiga, pegou um pouco de comida e um cantil de água e jogou em uma bolsa de couro. Antes de sair da cozinha, um pequeno ponto prateado chamou sua atenção. Era uma pequena adaga de prata com um pequeno desenho de cobra e com cabo de couro vermelho.
Sua mãe costumava levar a adaga escondida entre as roupas para todo lugar antes de morrer. Ele pegou a adaga sentido o metal frio em sua mão e colocou dentro da bolsa e prendeu na lateral de seu corpo forte.
Kad foi até o fundo da casa, onde era possível chegar à floresta. Um cavalo alto e marrom descansava ignorando o desespero ao seu redor. O jovem deu um pouco de feno e água fresca ao cavalo enquanto colocava uma sela de couro escuro em suas costas.
Apesar do caos, Kad estava estranhamente tranquilo. Mesmo sabendo que teria que fazer uma difícil escolha. Salvar o pai ou o menino que acabara de aparecer.
Ainda sem saber ao certo o que fazer, Kad ouviu o grito do pai e correu até lá. A porta de madeira rangia enquanto era empurrada e chutada com força. Pequenas rachaduras começam a aparecer.
O jovem olhou para seu pai que sorria com seus lábios rachados como se soubesse o peso da escolha do filho. Kad se aproximou do pai, pegou a criança e a apoiou em seu colo desajeitado.
Pediu a última bênção ao seu pai.
O velho fez uma rápida prece e beijou a testa do filho. Antes do rapaz virar as costas, o velho pegou a espada da mesa e empunhou com toda força se preparando para o ataque iminente.
Antes que Kad pudesse mudar de ideia, pedaços da porta bateram em suas costas arranhando sua pele bronzeada. Tomado pelo instinto, ele correu com a criança até o fundo da casa e pulou no cavalo.
Olhou para trás e viu seu pai cair.
Viu o soldado erguer a espada para golpeá-lo e o velho tentando se defender.
Ele já sabia o que ia acontecer.
Antes que ele mudasse de ideia e tentasse salvar seu pai, o cavalo partiu em disparada em direção à floresta enquanto alguns soldados tentavam alcançá-los. O jovem olhou para a casa uma última vez, vendo tudo sendo destruído diante de seus olhos verdes.
Soltou um suspiro pesado vendo a destruição ficar cada vez mais distante. Ele segurou as rédeas do cavalo com força e o guiou para dentro da mata escura sem saber o que os esperava.