Parte III

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Parecia que tudo estava em câmera lenta.

Kad podia ouvir a respiração do homem.

O soldado deu mais um passo, mas quando ia virar o corpo e ver o jovem, o cavalo manco rinchou de longe, chamando a atenção dos homens.

Todos os soldados correram naquela direção deixando Kad sozinho.

O rapaz respirou fundo e se sentou no chão, apoiando a cabeça dolorida no tronco da árvore. Tomou um gole de água do cantil em sua bolsa e observou seu próprio corpo: alguns cortes superficiais marcavam a pele bronzeada, desde os tornozelos até o rosto, mas estava bem, com exceção de sua cabeça latejante.

Kad apoiou uma das mãos no tronco e se levantou.

Olhou para o alto.

O dia estava chegando ao fim.

A chuva estava fraca, mal limpava a sujeira de seu corpo.

Kad ouviu o som dos animais saindo de suas tocas em busca de alimento. Uivos, cantos e grunhidos se mesclavam em uma harmonia desordenada.

O rapaz caminhou pela mata sem saber para onde ia, queria encontrar um lugar para se esconder a noite dos animais selvagens.

As árvores começaram a rarear. O som dos animais ficava cada vez mais distante. A luz do sol sumia no horizonte. A vegetação densa começava a dar espaço a uma clareira iluminada.

No centro da clareira, uma imponente torre prateada iluminava ao redor. O rapaz se aproximou da construção. Algumas inscrições em uma língua diferente marcavam toda a estrutura. Ele tocou a superfície e sentiu os pelos do braço se arrepiarem, como se energia percorresse o corpo cansado e acariciasse a cabeça dolorida.

O rapaz caminhou ao redor da torre. Nenhuma porta. Olhou para o alto e viu apenas uma pequena janela quadrada no topo da construção. Nenhuma escada.

A chuva começou a aumentar e Kad não sabia para onde ir. Olhou para a janela aberta e tentou calcular a distância que ele teria que subir. Era muito, mas era melhor do que ficar na chuva com os animais que poderiam atacá-lo.

O jovem ajeitou a bolsa e a prendeu ao redor do corpo. Respirou fundo e começou a escalar. Ele apoiava suas mãos e pés em pequenas irregularidades na superfície áspera.

Kad subia com dificuldade, cada passo ficava mais difícil. As mãos calejadas sofriam cortes, marcando a parede com o sangue vermelho. Os braços começaram a fraquejar. A perna começava a tremer.

Além disso, a chuva aumentava e deixava a superfície cada vez mais escorregadia. Algumas vezes, Kad pisava em falso e quase caia. Outras vezes a mão escapava da parede, arranhando o braço do rapaz.

Após muito esforço, o rapaz alcançou a janela e entrou em uma cômodo escuro, iluminado por algumas velas de cera. Ele se moveu com cuidado pelas sombras, sem fazer nenhum barulho, e se agachou em um canto escuro, buscando algum som ou movimento.

O lugar exalava um cheiro doce muito forte. Kad precisou tapar o nariz com sua roupa.

Ao perceber que estava sozinho, Kad se sentou um pouco para descansar da longa subida. Olhou ao redor e percebeu um suave brilho esverdeado vindo do fundo do cômodo.

Ele retirou a pequena adaga de sua bolsa e caminhou em direção a luz. Mesmo tomando cuidado, o chão rangia a cada passo. O rapaz chegou a um pequeno lago cujas águas verdes emitiam uma iluminação natural de diversos tons que variavam do verde escuro a um azul prateado. Um rastro vermelho vivo passava do meio do lago até a sua lateral, onde uma pequena jovem pálida com cabelos de fogo estava desacordada.

Kad parou na borda do lago e caminhou até a lateral onde a moça estava. Sangue sujava a água e os cabelos ruivos. Sem pensar, ele tentou mover seu corpo nu, mas acabou machucando a jovem cujos pulsos e tornozelos estavam amarrados por algas escuras. Kad usou sua pequena faca, cortou as algas e a levou para fora da água.

Kad sentiu o corpo frio tremer, por isso, tirou o manto e colocou na jovem, cobrindo todo seu corpo machucado. Ele a colocou com cuidado no chão do local. Seu pequeno corpo começava a perder um pouco da palidez. Ela estava voltando ao normal.

— Me solta!— ele se assustou ao ver a jovem se debatendo com os olhos fechados — Me solta! — ela gritava.

A jovem sacudia os braços e as pernas violentamente, machucando seu próprio corpo no chão áspero. Kad imobilizou seu corpo para que não se machucasse mais.

Ela abriu seus olhos castanhos e o encarou assustada. O rapaz a soltou e se afastou um pouco. A jovem continuou deitada com os olhos abertos, com a respiração ofegante e com o suor escorrendo e molhando seus cabelos vermelhos.

— Você está bem? — ele perguntou.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder.

— Estou com sede — ela sussurrou.

Kad pegou o cantil de sua bolsa e entregou para a mulher, a qual se sentou e tomou o líquido. Ela devolveu o cantil e olhou para seu próprio corpo dolorido, observando vários cortes e roxos. Ela se levantou cambaleando e se apoiou na parede fria, tentando se afastar do rapaz.

— O que faz aqui? Quem é você? — Ela endireitou a voz rouca. — O que você quer!?

— Meu nome é Kad — ele respondeu.

— Por que está aqui?

— Minha aldeia foi atacada e tive que fugir para a floresta — Kad respondeu e continuou quando a jovem pareceu não acreditar. — Aqui foi o único lugar que encontrei para me esconder.

Ela o encarou com os olhos desconfiados, empinou o nariz para dizer algo, mas suas pernas fraquejaram e ela perdeu o equilíbrio caindo no chão. Kad se aproximou da jovem e viu sangue escorrendo dos joelhos ralados. Rasgou alguns pedaços de sua túnica, molhou com um pouco de água e limpou os ferimentos da mulher que voltava a empalidecer.

— O que houve com você? — ele questionou preocupado.

Ela não respondeu. Vomitou um líquido escuro no chão e desmaiou novamente. O rapaz deitou a mulher em um canto e limpou sua boca. Ele se afastou e caminhou até a janela na qual ele entrou.

O céu continuava escuro e a chuva estava forte, porém não molhava o interior da torre, apenas um vento forte podia ser sentido em seu rosto. Ele ficou um tempo observando o bosque à sua frente se perguntando se o casal havia conseguido fugir e não percebeu a jovem acordar.

Adagas EscondidasOnde histórias criam vida. Descubra agora