O Viajante

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04 de novembro de 2019
Winden, Alemanha

Jonas saiu da caverna em meio à neblina. Ele deu apenas alguns passos para fora, desligando a pequena lanterna que carregara no bolso, antes de parar e olhar ao redor, a sensação de terror em seu estômago. Aquele parecia seu tempo, mas parecia diferente, errado, algumas árvores estavam em posições apostas, o sofá amarelo abandonado, surrado, que marcava o ano de 2019, estava do lado oposto ao qual sempre estivera.

A floresta estava tomada por neblina, como ele nunca vira antes em Winden. Jonas se perguntou em qual tempo estaria, aquele não parecia ser seu tempo, embora quanto mais caminhava pela floresta sentisse uma familiaridade misturado com estranheza, o que o aterrorizava. Ele continuou andando, fazendo o caminho que fizera tantas vezes antes, andando cada vez mais rápido, a antecipação de chegar em casa, sua casa.

Depois de tudo o que havia passado não havia mais nada em que pensasse, ele só queria chegar em casa, ver sua mãe de novo, dormir novamente em sua cama. Talvez aquele fosse o seu tempo afinal, talvez as coisas tenham mudado um pouco depois do apocalipse. Talvez sua mãe tivesse sobrevivido, talvez estivesse procurando por ele, alguns dos outros também tivessem sobrevivido talvez. Não havia lápides deles em 2052, do Magnus, da Franziska, do Bartosz... Eles poderiam ter sobrevivido, ido para o bunker.

Jonas andava cada vez mais rápido, praticamente correndo agora, a ânsia de chegar em casa e vê-los, todos eles, vivos. Aos poucos ele começou a avistar sua casa, do lado de fora tudo parecia perfeitamente normal, se parecia com sua casa, o banco, as árvores, tudo estava posicionado no mesmo lugar. Mas logo, olhando-a cuidadosamente percebeu, algo estava errado como tudo o que tinha visto até então, a entrada estava do lado oposto. Ainda assim Jonas andou até a entrada, suas mãos tremiam ao pegar a chave do bolso da calça. Ele colocou a chave na fechadura e virou, a porta da frente se destrancando. Ele entrou e olhou ao redor e logo percebeu, aquela não era sua casa.

Jonas sentiu o terror e o choque tomar conta dele conforme seus olhos vagavam pelo cômodo. Os móveis eram diferentes, mais modernos, haviam retratos que Jonas nunca havia visto na parede de madeira ao lado da escada, no centro da cozinha tinha uma mesa redonda de madeira escura de vidro, estava arrumada, mas ainda havia algumas canecas vazias, um jornal e uma cesta de pão com migalhas. Tinha um relógio de madeira antigo pendurado na parede ao lado ao lado da escada, na parede ao lado da mesa tinha um abajur e uma estante de madeira escura, cheia de livros, ao lado das duas janelas haviam duas poltronas vermelhas e um vaso de planta no canto. A cozinha era a única que parecia igual, os balcões, o fogão, se pareciam com os da sua casa, exceto pelo papel de parede e alguns aparelhos e utensílios.

Os olhos de Jonas se puseram na parede ao seu lado e ele congelou, lá, no lugar da foto da família Kahnwald, a foto que ele, sua mãe, seu pai e sua avó tiraram no Natal. No mesmo lugar estava outra foto, uma outra família sorria para a câmera. A fotografia havia sido tirada do lado de fora da casa, num dia de sol, parecia, o homem alto e forte sorria, seu cabelo era de um loiro escuro, cheio de cachos, seus olhos eram castanhos claros, cor de caramelo, gentis, amigáveis, seguros, um sorriso com dentes, alegre, amigável, vestia uma camisa cinza. A mulher ao seu lado, que Jonas presumia ser sua esposa, tinha um sorriso mais contido e discreto, seus cabelos eram longos, de um castanho escuro, olhos verde-oliva, usava uma blusa vermelha, sua mão pousada no ombro da garota à sua frente, uma garota mais baixa, que aparentava ter uns 14, 15 anos, ela se parecia com a mulher, tinha longos cabelos castanho escuro, olhos castanhos um pouco mais escuros do que os dos homem, pequenas sardas adornavam o seu nariz e um pouco de suas bochechas, lhe dando um aspecto mais adorável, usava um moletom cinza, sorria de uma forma meio contida, como sua mãe.

Os olhos de Jonas então se focaram na garota loira ao lado. Ela sorria como o pai, um sorriso com dentes, gentil e caloroso, os cabelos longos e ondulados de um loiro escuro como os de seu pai, os mesmo olhos castanhos claros, eles brilhavam, ela vestia uma blusa branca, os braços do homem que presumia ser seu pai abraçando seus ombros, ela sorria como se fosse o dia mais feliz de sua vida. Jonas sentiu sua garganta ficar seca ao olhar para ela, ela era bonita, muito bonita, ela brilhava, como o sol, possuía um ar gentil, jovial, como Jonas já possuiu uma vez, antes de seu pai se suicidar, antes de Mikkel desaparecer, antes do apocalipse, antes de toda essa loucura acontecer. Seus olhos novamente se voltaram para o dono dos braços que a envolviam.

Seu rosto, era familiar, o jeito que ele sorria, o brilho que iluminava seus olhos assim como sua filha. Jonas sentiu um frio subir na espinha, todo o terror e pânico tomando conta dele. Ele já havia visto esse sorriso antes, centenas de vezes, em cartazes de desaparecido, mesmo estando muito mais velho, o rosto envelhecido e com algumas rugas, Jonas o reconheceu. Era Mads Nielsen, o irmão de Ulrich, o garoto desaparecido da família Nielsen. Ele estava vivo, não só vivo como tinha tido uma família e o era pai da garota. Ele deu alguns passos para trás, cambaleando um pouco.

Ele sentiu-se entrar em choque. Que lugar era aquele? Onde estava sua casa, sua mãe?  Mesmo assim ele se forçou a continuar explorando a casa, subindo rapidamente as escadas, correndo até entrar em seu quarto. Seu quarto estava diferente, e assim como o resto da casa, Jonas não poderia mais considerar como seu quarto, a cama estava do lado oposto ao qual sempre estivera, feita, forrada por um lençol roxo, em cima um travesseiro branco, ao lado uma mesinha de cabeceira marrom com um abajur branco e um despertador. Ao lado, na parede, estava o guarda-roupa de madeira, parecido com o que Jonas tinha, mas com uma madeira mais escura.

Ao lado da mesinha de cabeceira havia uma mesinha com um toca-discos antigo, vários discos antigos organizados, assim como fitas e alguns objetos antigos, em cima do toca-discos, uma câmera Polaroid instantânea. Ao lado, uma escrivaninha de madeira pequena, cheia de papéis e um computador, e uma cadeira. No lado da outra janela haviam poltronas marrons e uma pequena estante de madeira com livros. Na parede de madeira ao lado da cama haviam fotos coladas, assim como um pôster da banda "Tears For Fears" em cima. Jonas se aproximou das fotos. A primeira que viu era de duas crianças.

O menino sorria para a câmera, aparentava ter uns entre 9 e 11 anos, um sorriso alegre e confiante, ele tinha os cabelos de um ruivo escuro e olhos azuis quase cinzentos, um braço envolvia a menina ao seu lado que logo ele reconheceu. Ela estava mais nova, um dente da frente faltando, gordura infantil nas bochechas, os cabelos presos em duas tranças, era mais baixa que o menino, parecia ser muito mais nova do que ele na foto também, sorria com o mesmo sorriso brilhante que Jonas havia visto antes.

A segunda foto fez ele congelar ainda mais. Ela estava com Magnus, Martha e Mikkel, eles sorriam para a foto, Magnus e Martha, ambos diferentes, ao lado dela, enquanto os braços dela envolviam um Mikkel sorridente, com as mãos em cima das mãos da garota e de cabelo mais escuro. Ela vestia um vestido preto florido na saia, linda. Todos eles estavam arrumados, como se fosse uma festa de família. Na outra foto, ela estava sentada no chão, juntamente com Bartosz e Magnus, parecendo com a foto que Jonas possuía só que com Bartosz e Martha, ela se sentava exatamente no mesmo lugar que ele.

Ele deu alguns passos para trás e então correu, correu para fora do quarto, desceu as escadas e abriu a porta da frente, fechando-a rápido antes de sair correndo pela floresta. Ele precisava de respostas, ele precisava saber onde estava, qual era o seu papel nisso tudo. Ele precisava ir a escola, ir atrás dela, ir atrás de respostas. Ele andou o mais rápido possível, passando pela floresta e pela estrada, fazendo o caminho tão familiar e tão estranho, seus pés automaticamente pararam ao ver a usina. A fumaça saía das torres como sempre, mas desta vez, como tudo ali, elas estavam do lado errado. Se antes Jonas tivesse qualquer dúvida agora ele se convenceu. Aquele não era seu mundo, e mais uma vez Jonas sentiu o chão estilhaçar sob seus pés.

Connected // Jonas Kahnwald x OCOnde histórias criam vida. Descubra agora