O hotel

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Ela parecia feliz, meio em êxtase e incrivelmente segura. A profunda certeza escondida em seus olhos sorridentes gritava um contraste impossível de ignorar com todas as questões que surgiram desde o momento em que a viu. Bjorn fixou os olhos na estrada que se desenrolava à sua frente enquanto uma música típica tocava baixo na rádio do carro que os levava a seu destino. Ele não conseguia pensar direito. Por que não conseguia pensar? Por que precisava pensar? Era como se as coisas estivessem se atropelando em sua mente e Bjorn se sentia um pouco esgotado. Era cansaço, ele justificou a si mesmo. Foram extensas horas de voo até chegar ao Rio de Janeiro e o clima quente e diferente talvez fosse mais do que havia previsto para dias supostamente invernais num país tropical.

Eva deitou em seu ombro e ele apoiou a lateral da cabeça na sua, prendendo um suspiro. Ele só precisava de uma noite de sono tranquila antes de tentar lidar com as perguntas incessantes que invadiam seus sentidos. Os dedos dela apertaram os seus como um gesto de conforto que lhe deu vontade de gritar. Preso. Ele se sentia preso, como se esta curta viagem em direção ao hotel fosse uma caminhada lenta pelo corredor da morte. Não, Bjorn relutou, apertando com força os olhos e os lábios ao mesmo tempo. Não podia pensar isso agora. Não tinha o direito de se sentir assim só agora.

- Acho que chegamos! - a voz dela, suave e feliz, inundou o carro e acelerou o seu coração quase como se Eva pudesse escutar seus pensamentos e o tivesse pegado no flagra.

O motorista respondeu algo em português que pareceu educado e solícito antes de abrir a sua porta e sair do carro, pronto para ajudar com a bagagem.

- Foi mais rápido do que eu pensava. - ela esperou que Bjorn descesse e os dois caminharam lentamente até o porta-malas. - Você deve estar morto.

- Sim, foi uma viagem longa. - ele respondeu se sentindo, de repente, meio tímido na frente daquele estranho que os observava com curiosidade.

O motorista retirou as malas do carro e pousou a bagagem no chão antes que Eva o entregasse algumas cédulas em moeda brasileira. Bjorn se lembrou que havia esquecido de trocar dinheiro no aeroporto, então não tinha nenhum real em mãos. Felizmente, os dois tinham organizado todas as despesas numa planilha e, como ele fora responsável por comprar as passagens de Eva entre a Noruega e a França para dali a pouco mais de um mês, eles estavam quites caso ela cobrisse os gastos em reais durante essa viagem.

- Espero que seja um bom hotel -, ela disparou. Bjorn se deu conta de que o carro não estava mais ali e de que ele estava já há algum tempo parado, como se julgasse o hotel de longe.

- Tenho certeza que vai ser -, ele replicou. - E eu não estou aqui pelo hotel.

- Você está aqui pelo sexo, todos sabemos. - Eva brincou.

- Exatamente. - ele devolveu. Os dois se entreolharam sorridentes e ele se sentiu um pouco mais leve. Era ela. "Eva, não Hanyia", ele repetiu para si mesmo em pensamento.

Fisicamente, as duas tinham muito pouco em comum. Eva era alta e curvilínea. Sua pele, mais clara do que se esperaria de uma brasileira que morava a poucos minutos da praia, contrastava com a de Hanyia, que possuía uma tez bronzeada, num tom tipicamente paquistanês. Pequena e frágil, sua ex-mulher não se parecia em nada com a garota que entrou no hotel e fez o check-in pelos dois, com confiança e autoridade. Pelo menos não mais.

Eva virou-se para ele e ofereceu um sorriso que chegava aos olhos. Ela era bonita. Um pouco diferente da sua imagem em vídeo, mas Bjorn imaginava que ele também fosse. Os olhos castanhos eram amendoados quando sorria, mas seus cantos externos se derretiam para baixo desde que ela estivesse mais séria, ele recordou. Os lábios carnudos e nariz pequeno criavam um rosto harmonioso e simples, que ficava infinitamente mais bonito quando acompanhados de um sorriso terno ou riso frouxo. E ela sorria bastante.

O recepcionista reapareceu, saindo pela mesma porta por onde havia desaparecido, e entregou-lhes um cartão de acesso ao quarto dizendo algumas palavras num português rápido, com a cadência mecânica de quem já repetiu o mesmo texto várias vezes. Eva assentiu com a cabeça e virou-se para Bjorn indicando o caminho até um elevador pequeno alguns passos à frente.

No quarto andar, o corredor longo terminava num quarto de tamanho médio com a numeração indicada em seu cartão de acesso. Eva abriu a porta, acendeu a luz e puxou a sua malinha de mão consigo. Bjorn entrou logo depois e fechou a porta atrás de si em silêncio.

- Enfim, sós -, ele brincou trazendo-a para perto de si.

- É menor do que eu esperava. - ela comentou distraída, olhando ao redor para conferir cada canto do quarto.

- Foi o que ela disse - ele replicou, refazendo uma brincadeira comum entre eles.

Quando um dos dois falava algo que poderia ser interpretado como uma frase de duplo sentido, o outro completava com "foi o que ele disse" ou "foi o que ela disse". Apesar de boba, a piada constantemente os fazia rir e criava um elo entre eles, como se tivessem partilhando uma espécie de código secreto. A frase funcionou despretensiosamente. Eva sorriu largo e levantou o queixo para olhá-lo nos olhos.

- Eu amo você - ela sussurrou.

- E eu amo você, pequena - Bjorn sussurrou ainda mais baixo, encostando a testa na dela.

Ele fechou os olhos como um convite para que ela também o fizesse e desceu as mãos pelas laterais do corpo de Eva, até sua cintura. Com menos delicadeza do que prevera, Bjorn a puxou para ainda mais perto de si e sentiu os braços de Eva se enlaçando em seu pescoço. Ela tinha um cheiro de algo cítrico e alaranjado que combinavam perfeitamente com o ambiente tropical, ele ponderou. Era como se estar ali com ela fosse parte de uma experiência um tanto exótica e diferente. Eva se esticou mais um pouco em sua direção até que os lábios dos dois estivessem quase se tocando, numa dança perversa e provocativa.

- Eu preciso... - ele disse com uma voz rouca - tomar um banho... - os lábios se afastaram, mas antes que Eva pudesse responder, ele inclinou um pouco mais a cabeça para roçar o nariz lentamente pela curva do seu pescoço.

- Eu... - ela tentou responder.

- Você...? - ele indagou antes de começar a passar também os dentes pela pele fina do seu pescoço.

- Eu vou com você. - ela murmurou.

- Tomar banho? - ele perguntou surpreso.

- Se você não se importar... - Eva apoiou ambas as mãos nas laterais do rosto de Bjorn, fazendo com que ele olhasse para ela.

- Eu não me importo. - ele traçou uma linha de beijos pela face delicada até alcançar a linha do queixo.

Era como se os dois estivessem participando de algum tipo de jogo, mas ele se sentia inclinado a provocá-la ainda mais. Bjorn percebeu Eva estremecer quando uma das suas mãos deslizou calmamente para dentro da sua camisa fina.

- Bjorn... - ela gemeu.

- Sim - ele replicou, gostando do jeito como ela dizia o seu nome, com um característico sotaque brasileiro.

- Me beija.

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