Capítulo 3

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Então ele a olhou detidamente e vislumbrou, por segundos preciosos, a tristeza que ela encobriu com a vitalidade de sempre e aquele sorriso de covinhas. Naquele breve momento se viu através daqueles lindos olhos escuros e, engolindo o nó que se formou na garganta, não gostou da imagem que Calista tinha dele. Do dissoluto conquistador, do homem sempre atrás de um rabo-de-saia desde que seguisse alguns ditames.

- Daniel? O que faz perdido na minha livraria? – Paul entrou e entregou um pacote grande a Calista e olhou atentamente ao amigo que parecia pálido – Era Janice Talbot que saiu daqui há pouco?

- Sim, a própria. Veio buscar umas encomendas que fez – abriu o pacote e deu um grito de alegria ao descobrir um cafeteira dessas que fazem centenas de cafés diferentes.

- Ah, isso explica algumas coisas – bateu no ombro de Daniel e o levou com ele ao sair – Baby girl, teremos convidados hoje à noite.

- Isso significa o que exatamente, meu amo e senhor? – olhava para ele divertida, alheia ao fato que Paul andava preocupado com o assédio pouco disfarçado de Daniel.

- Que deve aumentar o número de petiscos e pedir outra garrafa de conhaque para os seus famosos e disputados choconhaques – piscou para ela e saiu arrastando Daniel com ele.

Só então ela soltou a respiração com um longo suspiro, doía ver a forma como Daniel mudava ao se deparar com uma mulher capa de revista. Difícil descrever o que ocorria, mas ele conseguia encher o ambiente com sua presença e não tinha visto uma única ignorá-lo até hoje. Notou o rubor de Janice que, lá com seus botões, achava uma metida de marca maior, e seu sexto sentido lhe dizia que ali poderia nascer um romance. E isso sim, roubou-lhe o brilho da manhã, Calista sacudiu esse sentimento logo após o almoço e da visita de Megan Tennant, que passou ali com o filho Matt, de oito anos, e ficaram de conversa até o menino explicar muito sucintamente que morreria de fome se não voltasse para casa.

No espaço que seguia dividindo com Paul, que sequer a deixava cogitar a ideia de encontrar um lugar para alugar, Calista deu uma olhada ao redor e se certificou de que a sala se encontrava aconchegante e quente, afinal, fazia um dia miseravelmente frio do lado de fora. A cozinha do hotel mandou um carrinho com petiscos e ela já avaliava se precisaria ou não de reforço para os chocolates com conhaque. Tinham planejado uma noitada com serões de filmes clássicos da Era de Ouro do Cinema e o amigo avisou que teriam convidados especiais naquele dia.

Já fazia quase três meses que Calista vivia na Escócia e adorava cada dia mais as planícies e as montanhas das Terras Altas, apesar do frio miserável que fazia naquele pedaço do mundo, havia decidido que se converteria numa mulher highlander e pronto. Isso significava que não poderia adiar mais para contar a Paul que em breve teria de se mudar, gostasse ele ou não, porque seria mamãe. Descobriu a gravidez fazia uns dias porque simplesmente esqueceu do ciclo com toda euforia da mudança e o novo trabalho e todo o resto. Além disso, nunca fora exatamente regrada e tomava pílula contínua mesmo com uma vida sexual pouco agitada.

A porta da cobertura abriu e ela se voltou para os amigos que Paul havia trazido com ele e sorriu ao se ver diante de Megan e Daniel Tennant, Janice Talbot e outros dois funcionários de confiança do amigo, apenas um ela não reconheceu. Encobriu com sua jovialidade contagiante a surpresa de ver a bela e esnobe Janice entre os eleitos de Paul para a noitada, mas sabia que o tio dela tinha alguma ligação comercial com o amigo, assim como notou o interesse escandaloso do gigante escocês pela deusa ruiva.

- Finalmente se casou, Saunders? E, me perdoe o descaramento, escolheu uma senhora garota para isso! – comentou o desconhecido com um enorme sorriso e mostrando dentes brancos que suavizaram um rosto que, a princípio, poderia se tomar por severo.

- Liam Tennant quero que conheça Calista Vincenzo – Paul os apresentou sem corrigir o erro do outro de pronto – E, infelizmente, meu caro amigo, ela não é minha esposa.

- Tão somente sua escrava. Não é assim, oh, meu amo e senhor? – devolveu o sorriso para o outro e piscou para o amigo.

- Nova nomenclatura para matrimônio bastante interessante e que mataria as feministas de raiva e promoveria protestos intensos em todo Reino Unido – estreitou a mão dela e a puxou para um beijo no rosto.

- É sério, minha baby girl e eu não estamos juntos no sentido bíblico da coisa, infelizmente. Somos amigos de longa data, trabalhamos e moramos juntos. E isso é só – corrigiu Paul com malícia.

Ela preferiu piscar de volta para o incorrigível amigo e deixou no ar as insinuações dele, gostando bastante do Tennant mais velho que voou de algum lugar dos Estados Unidos para passar férias com a família na Escócia. E ajudou a passar aquela noite sem pensar no outro Tennant que assistiu à seleção de filmes, que incluíram Sinfonia em Paris, Lili e Ardida como Pimenta, com uma Janice enroscada quase no colo, com a mão esquecida sobre a coxa quase nua da bonita e mignon ruiva.

Quando Paul o arrastou para fora da livraria, Daniel não esperava pelo duro sermão que o amigo lhe passou sobre Calista, deixando bem claro que já percebera o desconforto dele perto da moça. Eles desceram até o café da Sra. Ginnis e o professor assistiu a um muito indignado Paul Saunders lhe explicar que conhecia Calista há mais de dez anos, desde um intercâmbio estudantil em território estadunidense para ser mais exato.

- Nunca mais perdemos contato. Então, não sou um completo desconhecido que a seduziu com uma proposta de emprego no estrangeiro – Paul o olhava dentro dos olhos e seguiu – Calista ficou sob minha proteção e eu a adoro com todo meu coração. Sei que dormiu com ela no Samhaim, meu velho, e antes que pense algo, não foi ela quem me contou, foi Sabine.

- Qual é o problema se sigo paquerando com ela, Paul. Somos adultos e resolvidos e... – ele ficou mudo ao ver o rosto constipado do outro.

- E ela não faz seu tipo habitual. Acho que a visita da Srta. Talbot deixou isso bem claro ainda há pouco, não foi? – então entendeu a ira mal contida do amigo, ele acreditava que estava brincando com a menina que há muitos anos seguia sendo um enigma entre eles – Calista beira a inocência, muitas vezes, mas é descolada quando quer ser. Ela saberá lidar com você, estou certo. Mas, porra, Tennant, ambos são meus melhores amigos!

Ele voltou para o segundo período de aulas se sentindo muito perto de um canalha e o sentimento piorou ao dar de cara com Janice Talbot na sala do diretor da escola e descobrir que a beldade seria sua colega em breve. Por puro hábito, jogou sobre ela a mais tradicional de suas cantadas. Quando chegou ao hotel para o serão de filmes antigos, teve de encontrar a ruiva novamente entre os convidados e ficou lívido ao descobrir que Paul deduziu que ele a havia convidado, enquanto ele teve certeza que o amigo o havia feito.

O irmão mais velho dele, Liam, trabalhava para a inteligência britânica em solo norte americano há cinco anos, aproximadamente, e eles não se viam em igual período. O coronel Tennant sempre foi seu ídolo e concorriam em tudo como gêmeos, apesar dos onze meses que os separava. Assisti-lo arrastar mais que uma asa para Calista o partiu de tanto ciúmes, primeiro com o comentário de que ela poderia ser a companheira de Paul – ele já tinha descartado essa hipótese fazia um bom tempo – e depois se tornando a sombra dela durante toda a noite. O sentimento ainda mais sombrio era sequer saber que o irmão estava em casa e Liam deter a imensa vantagem de não ter um rótulo de libertino atado a si.

- Uma bela seleção de filmes, baby girl – obrigou-se a dizer ao final da noite com um sorriso que ela devolveu de forma travessa.

- Não seria a pessoa favorita do Paul sem isso, Dany Boy – piscou com aquele sorriso de covinhas que o enlouquecia – Só que sua garota não gostou muito, pobrezinha. Diga que na próxima colocaremos coisas mais animadas.

"Sua garota não gostou", o comentário simplesmente o desmoronou, por ela também ter deduzido que ele viu uma beldade inominável naquela manhã e a arrastou para um programa entre amigos na mesma noite. Olhou para a adormecida Janice Talbot e uma luz se acendeu no mais recôndito do ser ao se dar conta de onde a viu antes: em uma de suas aulas em Oxford. E nos próximos dias, o nome deles ficaria ainda mais interligados com ela provocando encontros acidentais, principalmente, na livraria que se tornou um pouco como um refúgio onde passava boas horas com Calista.

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