2- Noticiário

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— Como você está se sentindo hoje, Emily? — Era assim que o Sr. Brandão sempre iniciava uma das nossas sessões. Por causa dos meus ataques de ansiedade meu psiquiatra tinha considerado que alguns remédios controlados e umas consultas semanais com algum psicólogo me ajudariam. Isso já durava dois meses, e eu continuava me sentindo como a primeira vez que eu tinha pisado naquela sala pequena.

Se no seu imaginário a ida a um psicólogo, terapeuta, psicanalista ou seja lá o que for, resulta em ficar deitado num maravilhoso divã enquanto um sujeito barbudo, vestido numa camisa gola alta nem te encara enquanto toma notas ao seu respeito, enquanto balança lentamente a cabeça em sinal positivo, devo te dizer que não é bem assim. Divãs devem ser para esses consultórios mais chiques. Aqui o Dr. Brandão me ouve enquanto estamos sentados numa cadeira razoavelmente acolchoada e de cor azul, que me lembra bastante de cadeiras de mesa de computador, sem as rodinhas, claro.

Às vezes ele anota algumas coisas, as vezes ele só me ouve, às vezes só me escuta, às vezes ele toma mais café do que me escuta, pelo menos é a impressão que eu tenho.

— Me sinto péssima, como todos os dias, você já devia saber, Brandão.

Mesmo com meu forte pessimismo a expressão dele é inalterada, como se eu nem tivesse respondido alguma coisa. Ambos suspiramos alto e finalmente eu quebro o silêncio outra vez.

— Você sabe, Brandão. Mais uma vez fui esquecida. Dizem que a editora KNR não demora para dizer que seu original foi aceito ou não, mas é tudo mentira. Eles nunca me responderam. Nem a SuculentEditora, nem a HelloAutor, nem a Digbook. — Tentei mesmo não me emocionar com aquilo, tentei represar toda aquelas águas violentas que saltavam dos meus olhos. Mas aquele era o meu ponto fraco. Era exatamente por causa da minha frustação com a escrita que eu estava ali naquela cadeira acolchoada e olhando para o Sr. Brandão.

Eu estava tentando não me entregar à depressão. Mas simplesmente tudo em minha volta me puxava para esse abismo. Eu tinha deixado todas as coisas para trás. Abandonado a vida de gerente de vendas numa loja do shopping aqui de Forte dos Poetas. Dá para acreditar na ironia que era viver nessa cidade com esse nome?

— Entendo, mas você já tentou focar em...

— Em outras editoras? Já! Já tentei a Cascelos e é por isso que estou arrasada...

— Eu ia dizer tentar outras coisas, Emily. Você tem gastado toda a sua energia nisso, seria interessante você ocupar a mente de outras coisas que possam te dar prazer. Como anda seu relacionamento? Você quase nunca toca no seu namoro.

— Meu namoro vai bem, mas não quero falar dele. Queria entender se essa coisa de ser rejeitada por escritores é só comigo? Puxa vida, desde os meus dezoito anos eu tenho tentado ser publicada e nada realmente acontece. Será que eu sou uma péssima escritora?

— Você se acha uma péssima escritora?

— Não! Eu acho que... Eu tenho certeza que eu sou ótima. Olha não é querendo me gabar, mas minha melhor amiga mostrou meus textos para os parentes dela e todos amaram! No meu antigo emprego eu sempre escrevia o roteiro das propagandas da TV e a minha mãe sempre chora com os textos que eu escrevo no aniversário dela. É claro que eu sou boa! — Era estranho terminar a frase com um volume de voz mais baixo do que eu iniciei? — Só fui esquecida em alguma pasta daqueles arquivos que eu tenho enviado constantemente para as editoras. Só que lembrar que mereço uma chance não tem sido fácil, as coisas estão perdendo o sentido para mim. Olho para tudo o que já escrevi e sinto que nada realmente vale a pena. Estou andando em círculos e quando eu pensei que tudo iria mudar, só piora. Não tenho mais meu emprego, estou vendendo cupcakes e brigadeiros para pagar minhas contas e sou motivo de chacota entre meus familiares.

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