Acordei assustadoramente animada. Era tão esquisito que me olhei nos espelho várias vezes durante as primeiras horas da manhã. Senti a textura rebelde dos meus fios sem progressiva ou chapinha sob meus dedos magros e longos. Apalpei minhas maçãs puxando-as para cima, e massageei a região abaixo dos olhos tocando minha pele sardenta e seca. Tive vontade de fazer maquiagem. Fazia tempo que eu não me arrumava, que não passava um perfume decente ou que simplesmente pintava as unhas.
Depilação? Só o básico, mesmo. Mas naquele dia, antes de ir ao clube de confeitaria, eu queria me enfeitar não só de adereços e roupas melhores, mas de sorrisos. Era o marco inicial para fundar meu clube.
— Uau, gostei de ver! — elogiou Patrícia, horas mais tarde ao me ver com o cabelo hidratado, penteado, maquiagem bem feita e um vestido rodado com decote em V na cor vermelha.
Ela tinha sido intimada a ir comigo naquela bendita reunião do clube de confeitaria, já que apesar da minha inabitual empolgação, ir sozinha seria muito complicado. Ela só aceitou por causa da comida grátis, Patrícia amava economizar, suas roupas eram sempre da promoção. Não era que ela não pudesse pagar por coisas mais caras, mas ela simplesmente preferia investir seu dinheiro em viagens do que roupas. Contudo, naquela ocasião ela estava tão bem vestida quanto eu. Usava um macacão verde tão lindo que juntas parecíamos personagens de filmes de Natal da Hallmark.
Entramos no seu fusca azul bebê e partimos para a reunião do bendito clube. Durante o caminho, ela começou a desabafar do seu namoro de quase cinco anos e que parecia postergar ainda mais sem chegar ao noivado, o que era muito triste já que ela tinha um grande sonho de ser mãe e a idade já estava avançando. Era verdade, já que ela era três anos mais velha que eu.
O meu único sonho era publicar meu livro por uma grande editora, ser descoberta, vender milhares de exemplares, viajar o mundo fazendo sessões de autógrafos. E diante das circunstâncias, nem eu e nem Patrícia realizaríamos nossos desejos tão cedo. Mas eu queria mudar minha sorte.
As reuniões do clube aconteciam na garagem da casa de uma aluna chamada Graça, conhecida como Gracinha. Era uma senhora de cabelos grisalhos, pele bronzeada e corpo curvilíneo. Quando minha amiga e eu chegamos, já estavam lá umas oito pessoas sentadas em círculo ao redor de uma mesa retangular cheia de doces, bolos e tortas.
Acenei com a mão e me direcionei para as cadeiras de plástico vazias. Patrícia se encolheu em sua cadeira se sentindo um peixe fora d'água, mas uma moça sentou ao lado dela e começou a puxar assunto e as coisas começaram a melhorar. Respirei fundo enquanto a Dona Gracinha perambulava pela garagem cumprimentando cada uma das confeiteiras pessoalmente. Fazia uma a uma se levantarem para sacudi-las num abraço caloroso e apertado. Estava chegando a minha vez quando ouvi a voz estridente de Maribel.
— Me desculpem pelo atraso, meninas. Meu patrão teve uma urgência e tive que trazer o João e a Laurinha de novo.
Ela se referia a duas lindas crianças. Um menino de aparência de quatro ou cinco anos, possuidor de cabelos cacheados e que segurava a mão esquerda de Maribel. A tal Laurinha era a menor que estava enganchada em sua cintura, com a cabeça enterrada em seu peito num dengo que exalava por todo ar. Uma das moças ao meu lado cochichou que o clube hoje ia ser "daquele jeito".
Maribel se sentou a alguma cadeiras de distância, João começou a correr pela garagem toda enquanto gritava alguma coisa sobre Galinha Pintadinha e Laurinha fazia bico de choro querendo ir para o chão, foi quando eu entendi o que significava "daquele jeito".
Mas no geral a reunião parecia mais uma conversa para falar mal dos preços absurdos do leite condensado, do açúcar impalpável e claro que dos clientes sempre reclamavam do preço dos bolos.
Era tudo muito enfadonho, só um monte de mulher reclamando do comércio e da difícil profissão que as fazia ficar horas na cozinha. Já estava quase me preparando para ir embora quando vi que uma das confeiteiras pegou Laurinha no colo enquanto Maribel limpava a boca de João que já tinha se lambuzado com glacê. Dona Gracinha passava uma caixa para o depósito de um dinheiro para caridade e as algumas outras confeiteiras começaram a marcar o próximo encontro para distribuir marmitas para os moradores de Rua.
Dona Regina e dona Margarita, que eram duas irmãs, começaram a desabafar de como as vendas estavam melhorando na lanchonete que possuíam e que finalmente elas conseguiriam ajudar no tratamento de uma prima muito querida, que lutava contra câncer. Ambas estavam gratas pelo apoio que tinham recebido do clube. Uma salva de palmas se seguiu assim como uma chuva de abraços regados à algumas lágrimas das duas irmãs.
Enchi meu pulmão de ar diante daquela atmosfera de solidariedade e humanidade. Era disso que meu futuro clube precisava: ser uma rede de apoio mútuo, ser uma forma de se encontrar no outro, de se abraçar com gestos de compaixão e empatia. Tinha acabado de descobrir o propósito do Clube dos Escritores Esquecidos.
Viajei tanto na minha ideia que nem conseguia comer mais nada, as vozes de todo mundo começou a se misturar numa ruidosa e gostosa sinfonia. Tudo em minha volta começou a passar como um lindo borrão rosa sobre meus olhos, de tão absorta que eu me encontrava. Fui me despedindo das meninas de forma automática, nem percebi que Paty levava uma bacia repleta de bolos e guloseimas para casa. Eu vibrava tanto por dentro que não conseguia me concentrar nas vibrações dos outros, foi quando uma voz melosa e infantil me disse:
— Quelo bolo!
Laurinha sorriu e abraçou minha perna quando finalmente lhe entreguei o pedaço de bolo de chocolate em suas mãos. Maribel atravessou a garagem de forma espalhafatosa, pegou a menina do colo e pediu desculpas pelo jeito de Laurinha. Ela era mesmo uma babá desengonçada, mas parecia amar muito a menina.
— Ela já comeu bolo o suficiente, Emily. Não dê mais nenhum pedacinho.
Me desculpei pelo meu erro enquanto Maribel arrancava o bolo das mãos da menina, que abriu o berreiro.
— Você comeu bolo demais, meu amor. Não pode comer outra vez.
A menininha fez birra, chorou mais um pouco, mas acabou desistindo, me senti tão mal que até tentei persuadir Maribel, mas tudo o que consegui foi piorar as coisas tentando oferecer um brigadeiro para Laurinha.
— Você é péssima com crianças, Emily. Por que você foi dá o bolo para Laurinha? — inquiriu Paty, enquanto mastigava um pão-de-mel e dirigia pelo caminho de volta.
— Ela me pediu, ué. O que eu deveria fazer?
— Dizer não. Você ainda deu brigadeiro para ela, Emily. Ela só tem o que? Dois anos?
— Já ouvi tantos nãos que me dói fazer isso com uma menininha, Paty, você deveria saber. Mas o que vi hoje nesse clube vai mudar minha vida.
— Não entendi nada!
— Eu só preciso saber se posso usar sua garagem uma vez por semana.
— Ainda não entendi nada.
— Vou criar um clube de escritores, Paty. E você vai me ajudar!
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O clube dos escritores esquecidos
Storie d'amoreEmily vive na cidade ficticia chamada Forte dos Poetas e é uma aspirante a escritora desde os seus dezoito anos de idade. Tem tentado incessantemente publicar algumas de suas obras, mas simplesmente é rejeitada por todas as editoras que ela entra...