O garoto que nunca parou de queimar

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Enquanto estou escrevendo isto, posso sentir meus níveis de inquietação subindo, embora não possa ter certeza, já que não posso realmente confiar no que estou sentindo... só sei que é intenso. A única coisa que posso confiar no meio de tudo isso é na culpa. Ela é o maior terror que experimentei até hoje, consome tudo. Ele ainda continua queimando, as suas chamas se espalhando, o mesmo cheiro de carne carbonizada e o barulho de fritura. A fumaça nociva me persegue.


Alex foi encontrado no seu carro carbonizado. A investigação não descartou homicídio, porque os meios que o fogo surgiram são um mistério até hoje. A certeza que eles têm é que a vítima lutou, tentando quebrar os vidros. Vestígios da carne das suas mãos ficaram grudadas nas janelas. Houve uma testemunha, um mendigo, ele não conseguiu fazer nada, estava muito embriagado, e disse que viu uma pessoa próxima ao carro. "Ele estava em chamas!" "Queimando". Parado e assistindo tudo". O depoimento do sem-teto foi o mais próximo de confirmar o homicídio, mas as suas palavras não foram levadas a sério por conta da bizarrice.


Depois de poucos anos, a segunda pessoa morreu queimada, o terceiro garoto que estava presente naquele dia, a sua morte foi um absurdo. Sem lógica ou explicação. Breno foi encontrado morto no próprio banheiro. Isso mesmo, engaiolado com o chuveiro ainda ligado. Assim que alguém invadiu a casa, ao ouvir gritos, ele estava quase carbonizado. Provavelmente deve ter tentado entrar embaixo do chuveiro, mas, por algum motivo, sua pele queimou como se tivesse sido feita de material inflamável. Todo o espaço do banheiro pareceu um forno, tudo em cinzas. Evidências mostraram marcas das suas mãos tentando desesperadamente girar a maçaneta da porta. "Não tinha como confirmar uma ligação direta", eles disseram, porém eles não sabem o que realmente causou tudo isso... eu sei e quero que todos saibam.


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A época era os anos 80. Você deve imaginar como era: nada de internet. Sem ser idolatrado por conta da aparência e do corpo, você precisava ter personalidade para se destacar entre os jovens, se vestir bem, nada vulgar. Pelo menos era assim no meu ciclo de amigos, e foi nessa época que conheci o Alex e o Breno. Nós fazíamos parte do time de beisebol, nossas personalidades eram o oposto, não tínhamos nada em comum, além do gosto por esportes, mas começamos a andar juntos. Jovens rapazes bonitos e "descolados", o que vocês chamam hoje. É no meio de tudo isso que Gabriel entra, o garoto que fazia parte do nosso time, e assumiu sua homossexualidade para todos abertamente.


Já deve imaginar como era antigamente, não existia a aceitação como agora pelo público. Você ser gay era motivo de vergonha, não só para a pessoa como para toda a família, e ele se abrir daquele jeito, tão jovem, foi um espanto. Nunca desconfiamos nada sobre sua orientação. Dividiu o público: metade aceitou quem ele era, o cara adorado por todos. A outra o rejeitou, dizendo que não queria ter contato com um "viadinho de merda".


Gabriel seguiu sua vida nos estudos, ele era talentoso fora dos campos, todos diziam que seria alguém de futuro. Uma pessoa intelectual e madura para a sua idade. Sempre sorrindo e animado, não importava as provocações e piadas. Nunca deixou o seu jeito marrento e sério. Quem conversava com ele, não desconfiava que gostasse de homens.


Nós costumávamos provocar os garotos. Sabe, o velho bullying. Nossa atenção foi para Gabriel. Naquela época, não entendia tanta raiva de Alex contra um ex-amigo. Breno era apenas um lunático e frio, se você quisesse um parceiro para fazer besteira, ele sempre estava ali excitado e pronto para fazer o pior. Eu só acompanhava os meus únicos companheiros em tudo, não vou dizer que fui um santo.

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