Papai trouxe o corpo do meu irmão morto pra nossa casa

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Acordei com sua mão grande e grossa apertando o meu braço e balançando para os dois lados para eu despertar o mais rápido possível. Nós estávamos em guerra e qualquer tipo de alerta de perigo era para que eu estivesse pronto para qualquer coisa. Costumava dormir com roupas apropriadas para sair, nunca tirava os chinelos dos pés e o cobertor sempre ficava embaixo da minha cabeça como uma almofada. Tudo pelo motivo de estávamos sempre termendo mísseis russos, ataques nucleares e todo o horror que o Vladimir Putin trouxe para a Ucrânia nos últimos meses e, quando sentei rapidamente com o coração apertando no peito, olhei para o seu rosto, e ele estava sorrindo como se tivesse uma notícia ótima para contar-me.


Ele se inclinou, sussurrando... "Ele voltou para casa! Acorde e vamos o receber na cozinha, imediatamente!" - Isso me deu uma sensação doentia de esperança, não parecia certo, mas estava me controlando em ânimo. Não fez sentido.


Só pude perceber o barulho dos nossos passos aproximando-se, e ele me puxando enquanto um cheiro desconfortante foi ficando ainda mais nocivo conforme estava chegando à porta. Senti um calor subindo para o meu rosto, esses mesmos segundos em que me encontrava parado na porta e observando seus olhos ligeiramente abertos, um tanto vítreos e cinzentos, como se estivessem sidos cobertos por finas camadas de fita adesiva.


"Papai, é o meu irmão que está sentado na cadeira diante de nós...?" - Foquei naquele homem dentro da nossa casa, nos esperando. A resposta eu mesmo sabia, no entanto, não queria acreditar nisso, ele não poderia ter voltado depois de tudo que aconteceu!


“Sim.” - Falou lentamente e com um entusiasmo frio, como se dirigisse a uma criança pequena. Tentou formar um abraço ao meu lado, mas não correspondi porque minhas mãos ficaram adormecidas. Não vi ânimo para comemorar a sua presença de volta.


"Não seja grosso, o seu irmão voltou por nós dois." - Ele aproximou-se com a xícara de chá tremendo em seus dedos. Não lembro a última vez que vi o meu pai nervoso assim, mas sabia que era de alegria. Ele só ficava desse jeito quando estava bastante animado com algo. Suspirou para mim com aquela típica ordem sem proferir nenhuma palavra. Então, comecei a caminhar na direção do meu irmão.


Arrastou uma cadeira e me sentou, empurrou-me prendendo na mesa. Eu não queria olhar para o meu irmão. Fechei os meus olhos, caindo profundamente dentro de mim. Não demorou muito para permitir-me afundar no vazio, naquele espaço que abriga todas as minhas piores memórias. Mas, alguma coisa parecia me fazer acreditar que era ele quem realmente estava em casa novamente depois que nos deixou. Tinha voltado de alguma forma. A consciência me dizia lá no fundo o contrário, não poderia ter dado as caras assim.


Papai ficou tentando conversar com ele a todo momento, parecia que tinha guardado vários fatos em poucas horas para contar de uma só vez. As mãos do meu irmão estavam sobre a mesa como ele costumava ficar quando estava discutindo com alguém sobre assuntos sérios locais, os dedos roxos e um pouco dobrados, geralmente estão dessa forma quando ele trabalha na serraria, porém, naquele momento, não parecia natural. Seu rosto estava direcionado em minha direção, com as córneas parecendo com uma espécie de tela viscosa e esbranquiçada, iluminando-se com apenas uma lâmpada distante.


Comecei a lembrar dos últimos dias, e fui trazendo lembranças de antigamente. O meu irmão, um pouco mais velho, e aparentando ser um adulto devido à estrutura física: alto e maduro demais, carregando apenas os seus dezessete anos. Gostava de dizer com sua forma de brincar comigo, quando existiam momentos bons para isso, alertando-me para correr e que conseguiria me pegar como sempre fazia. Ele era muito forte e rápido. Dificilmente estávamos nos divertindo, a maior parte do tempo estava com meu pai o ajudando dentro de casa, e a guerra lá fora banhava as ruas com mortes e tristeza. O mais velho de casa era o único amigo do papai e sempre dizia que precisava ser por nós dois e que eu ficaria seguro.

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