Estou morando com um yo-kai

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Estava concentrada, segurando o meu celular e lendo o mangá Homunculus quando percebi um movimento na minha visão periférica. Corri a minha atenção automaticamente para janela e tive a impressão que uma cabeça estava ali, e se escondeu rapidamente antes que os meus olhos o alcançassem. Sabia que não era possível, meu quarto é alto e não tem condição de alguém ter escalado a parede. Voltei a ler o meu mangá quando senti o movimento novamente do outro lado da janela. Definitivamente, tem alguma coisa me bisbilhotando, e escapando todas as vezes que tentava olhar e encontrar o meu observador.


A senhorita Larissa pediu para não ficar caminhando no casarão depois da meia-noite, não desejava quebrar a sua regra na primeira noite de hospedagem, mas algo me disse que precisava comunicar o que acabou de acontecer. Saí da cama fazendo ela gemer, barulho de molas velhas, abri a porta com cuidado. A casa não era tão escura, porém é extremamente silenciosa. Não sabia se Larissa estaria dormindo. Precisava ir ao seu quarto.


Na metade do caminho, ouvi um "boa noite". Minha alma quase saltou do meu corpo, e quase gritei de susto. Ela estava me observando sentada na sua cadeira na sala, quase que fazendo parte das sombras dos móveis.


"Boa noite, Senhorita Larissa..." - Eu estava tentando encontrar uma melhor forma de explicar o ocorrido. "Não sei bem como dizer... estava lendo algo na internet quando..."


"Você deixou a janela aberta?" - A pergunta me pegou desprevenida e não tenho certeza se o meu rosto mostrou isso.


"Ah! Sim! É uma noite quente e..." - Me senti constrangida. Aquele tipo de situação que você experimenta quando faz alguma burrada e essa burrada é feita em uma situação desconfortável. Eu parecia que estava aprontando alguma coisa sem ter feito nada.


"Nós havíamos conversado sobre não deixar a janela aberta à noite. É um casarão velho, ele atrai morcegos." - Simplesmente, todo o contexto da situação, há poucos minutos, desapareceu em um borrão. Pedi desculpas e voltei ao meu quarto, fechando a janela e perdendo logo o desejo de continuar lendo.


Para contextualizar toda a situação, estou morando de aluguel em um casarão antigo, esses imóveis que parecem ser do tempo colonial, com retratos centenários de pessoas que você sabe que provavelmente morreram, uma decoração que faz a locação parecer mais sombria, em vez de torná-la um lar. Compartilhando um odor caricato de mofo, misturado com madeira velha e sempre acumulando poeira. Quando existe muito espaço e apenas uma pessoa morando sozinha, costuma alugar.


Larissa, uma idosa que deve ter aproximadamente noventa anos, contudo muito energética e mal-humorada, alugou a um preço acessível. Ela disse aquelas coisas que você provavelmente já viu em algum filme: "nada de trazer homens", "local apenas para mulheres", "nada de barulhos", "fumar" ou "trazer qualquer outra pessoa sem permissão", etc.


Tenho uma colega de quarto, Jung, uma japonesa com um ótimo sotaque inglês. Ela cursa a faculdade na mesma universidade que eu, mas não é de conversar. Tem um comportamento insociável demais, se veste como se fosse alguém na mesma idade de Larissa, quase sempre fica com a cabeça baixa e pedindo desculpas todas as vezes que esbarra em você involuntariamente. Uma pessoa agradável, mas irritante com tanta timidez. Nós não conversamos muito além do necessário, viver com ela é quase como se estivesse convivendo com um fantasma. Jung não faz nada além de se trancar no seu quarto quando chega da faculdade e comer na cozinha conosco sem fazer contato visual, levantando todas as vezes quando nós todas terminamos para lavar as louças.

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