01 - A chegada

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A estrada para Red Hollow serpenteava entre as colinas como um rio de asfalto, cortando os campos vazios que se estendiam até onde os olhos podiam ver. A pequena cidade, perdida em algum canto de Maine, parecia suspensa no tempo, com suas casas de madeira pintadas em tons desbotados e a igreja no topo da colina, visível de qualquer ponto.

O carro preto que vinha pela estrada diminuiu a velocidade ao se aproximar da cidade. Matthew Hyde, padre há quase uma década, estava prestes a iniciar um novo capítulo. Um capítulo que ele não havia planejado, mas que o destino colocara diante dele como um desafio inevitável.

Matthew Hyde era um homem nos seus trinta e poucos anos, mas o peso da vida já parecia ter marcado seus olhos de um azul acinzentado, sempre observadores, mas carregados de uma certa inquietação. Alto e de porte esguio, sua presença exalava uma gravidade que ia além da batina preta e do colarinho clerical. Sua mandíbula era forte, mas seu rosto, ao mesmo tempo, transmitia uma vulnerabilidade sutil, como se estivesse sempre refletindo sobre algo além do que as pessoas ao seu redor poderiam compreender.

Os cabelos castanho-escuros, levemente desalinhados pelo vento que cortava a tarde em Red Hollow, contrastavam com a palidez da pele, como se ele passasse mais tempo entre paredes de pedra e sombras do que sob a luz do sol. Havia algo de contido em seus movimentos, como se ele mantivesse uma luta interna silenciosa, controlando cuidadosamente cada gesto, cada expressão. Matthew parecia carregar o mundo nas costas, mas fazia isso de maneira discreta, sem nunca demonstrar abertamente o fardo que levava.

Seus olhos, que por fora pareciam frios e distantes, traíam, de vez em quando, um lampejo de dúvida ou melancolia – uma hesitação que ele escondia bem, mas que estava ali, para aqueles que observassem de perto. Seu rosto não revelava muito, mas havia uma tensão latente, algo que não se resolveria com simples palavras ou orações.

Ao descer do carro, Matthew sentiu o vento frio de outono tocar-lhe o rosto, trazendo consigo o cheiro das árvores e da terra úmida. Ele ergueu os olhos para a igreja no alto da colina, onde a cruz de ferro parecia um farol solitário contra o céu nublado. Red Hollow era pequena, discreta, e o silêncio que reinava ali era quase palpável. Mas, sob essa aparente tranquilidade, havia histórias, segredos que todos pareciam carregar, como o peso de algo nunca totalmente resolvido.

Matthew não era estranho à responsabilidade de ouvir os fardos dos outros, mas havia algo diferente naquela cidade. Talvez fosse a maneira como os moradores o olhavam quando ele passava. Não era hostilidade, tampouco calor. Era uma curiosidade velada, misturada a uma desconfiança que ele já conhecia bem, vinda de quem teme as respostas tanto quanto teme as perguntas.

Os fiéis de Red Hollow viviam um misto de expectativa e saudade. O falecimento do antigo pároco, Padre Sullivan, ainda ecoava nos corações da pequena comunidade, deixando um vazio que parecia impossível de preencher.

Ao empurrar as portas pesadas da igreja, uma lufada de ar frio o envolveu, trazendo consigo o silêncio opressor do espaço vazio. As imagens de santos e cruzes pareciam olhá-lo de cima, julgando-o por tudo o que pensava e sentia. O altar, adornado em ouro e velas, irradiava uma luz suave, mas tudo em que ele podia pensar era o quão patética aquela cena lhe parecia.

O cheiro de incenso queimado sempre deixava Matthew enjoado. Ele odiava o ritual. A batina preta pesava sobre seus ombros como uma corrente, um símbolo de tudo que ele desprezava, mas ao qual havia sido condenado. Nunca quisera ser padre. Não por escolha própria. A vida o levara até ali — não para pregar, mas para se esconder.

Ele sabia o que era aquilo para os fiéis: um refúgio, um lugar de esperança. Mas para ele, era uma prisão. Paredes construídas de mentiras e segredos. Dentro daquele lugar sagrado, ele não encontrava conforto, mas repulsa.

PROFANOOnde histórias criam vida. Descubra agora