02 - Conexão

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A porta de madeira da sala rangeu enquanto Antonella a empurrava com cuidado. O corredor estava vazio, mas ela sentia como se cada passo ecoasse nas paredes da casa, que se fechavam ao redor dela como um labirinto sem saída. Era tarde, e os feixes de luz que entravam pelas janelas marcavam o chão com padrões definidos, mas Antonella não sentia o calor que as sombras prometiam.

Ela se deteve à porta da sala, tentando não fazer barulho, mas ele a ouviu, como sempre. A figura do prefeito Dante Bellini surgia do escritório com a mesma austeridade fria que lhe conferia poder sobre a cidade. Ele vestia uma camisa de linho branca impecável, os botões perfeitamente alinhados, e um relógio de metal que brilhava no pulso.

— Onde pensa que vai? — A voz de Dante cortou o silêncio com a precisão de um bisturi. Era calma, mas havia um peso ameaçador por trás daquela pergunta. Ele sabia a resposta, mas queria vê-la justificar cada passo, cada desejo.

— Eu... vou à igreja — disse Antonella, reunindo a coragem que o tom de sua voz drenava. Manteve os olhos fixos no chão, incapaz de encará-lo. Qualquer olhar mais longo poderia ser interpretado como desafio, e ela sabia o preço de desafiar Dante Bellini.

Ele deu um passo à frente, seus sapatos ecoando pelo chão de mármore. Parou próximo a ela, tão próximo que podia sentir o cheiro do perfume amadeirado que ele usava — um cheiro que a incomodava mais a cada dia, por ter sido o mesmo que usava desde a infância, quando ele ainda era apenas um pai protetor, antes de se tornar esse carcereiro implacável.

— Todos os dias, Antonella? Parece que a igreja está ocupando todo o seu tempo. — Ele ergueu uma sobrancelha, mantendo uma expressão serena, como se seu controle sobre ela fosse natural e até razoável.

— É o único lugar que me permite ir — ela respondeu, e seu tom continha uma leveza forçada, quase suplicante. Era uma frase simples, mas no instante em que a disse, sentiu o peso de cada palavra.

Dante estreitou os olhos, observando-a com uma intensidade que parecia perfurar suas defesas. — Parece que você está sendo ingrata, Antonella. Eu lhe dou uma vida confortável, tudo do bom e do melhor. A cidade inteira inveja sua posição, mas você ainda busca coisas que estão fora de seu alcance.

Ela não respondeu. Sabia que qualquer palavra a mais só alimentaria a irritação contida que brilhava nos olhos do pai. Ele a tratava como uma boneca de porcelana, frágil demais para o mundo lá fora, mas também lhe negava a liberdade que qualquer jovem deveria ter. Ao invés de protegida, ela se sentia encarcerada.

Dante observou-a em silêncio por um longo momento, então deu um suspiro controlado, cruzando os braços. — Se vai à igreja, vá. Mas não demore. E... lembre-se de que sou eu quem toma as decisões sobre o que é melhor para você.

A ordem foi como um tapa silencioso, uma sentença que a forçava a voltar para casa mais rapidamente do que gostaria. Antonella assentiu, tentando disfarçar o alívio que sentia por, ao menos, conseguir sair. Seguiu em direção à porta, com o corpo rígido e o coração acelerado. Sentia as costas queimarem, como se o olhar do pai a seguisse, avaliando cada movimento seu.

Quando Antonella já estava quase alcançando a porta, Dante a chamou de volta com um tom firme, mas carregado de suavidade calculada. Ela parou, o corpo tenso, sentindo o peso do olhar do pai mais uma vez.

— Antes que me esqueça, Antonella... — ele começou, enquanto ajustava os punhos da camisa, a voz baixa e meticulosamente controlada. — Esta noite teremos uma ocasião especial. O novo pároco da cidade, Padre Hyde, virá para um jantar em nossa casa. É importante que esteja presente e que mostre a mesma postura de sempre. Afinal, não se trata apenas de nós, mas da imagem que representamos para toda a cidade.

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